1. Brisa de (i)realidade

346 15 7
                                    

O fim do verão era sempre algo inevitável, ninguém aceitava muito bem. Ele simbolizava, no meu caso, o começo do último semestre do colégio, e o último suspiro de uma vida mais simples antes do turbilhão de mudanças que é a faculdade. Para mim, no entanto, foi o último suspiro de uma vida normal e humana antes de ter minha existência completamente reinventada.

Coincidentemente, o fim do verão batia com meu aniversário. Assim que apaguei as velas do bolo de panqueca que a vovó tinha feito, uma brisa passou pela janela aberta da cozinha e aí... tudo mudou. Eu e o normal nunca mais nos entendemos, e nossos caminhos foram completamente divididos, restando apenas eu e o meu confuso destino.

Meus pais fizeram um jantar para mim aquela noite e convidaram meus avós, uns tios que eu via duas vezes por ano e Adam, mas Adam não ousou aparecer, bem como eu tinha imaginado. Enrolei o máximo que dava para enrolar e finalmente meus convidados foram embora, deixando assim a brecha que eu precisava para ir até à casa de Jake, onde ele tinha organizado uma festa e tanto.

Assim que cheguei naquela noite o meu coração começou a bater no ritmo da música que saía das caixas de som exageradamente altas, altas o suficiente para incomodar os vizinhos, mas eles já deveriam estar acostumados com as festas e as bebedeiras de um sábado à noite na casa dos Miller's. Retoquei o gloss, passei os dedos pelos fios do meu cabelo louro e entrei de cabeça erguida.

– A Ally chegou! – Ouvi alguém gritar e sorri.

– Feliz aniversário, Hale! – Todos formaram um cinto para me receber e bater palmas.

Dei um gritinho de entusiasmo e abri os braços, fingindo uma animação um tanto quanto exagerada que não existia ao cumprimentar pessoas que eram tão falsas quanto eu estava sendo agora. Mas é isso o que eu fazia, eu interpretava, tenho interpretado meu papel há três anos.

Não adianta dizer que as coisas no ensino médio não eram tão ruins. Você aprende com o tempo que tudo pode ser dividido em dois termos simples: Presas e predadores. Era o termo que eu tinha inventado para finalmente delimitar as paredes invisíveis em Lincoln High. As que todos fingiam que não existiam.

Eu escolhi e lutei para chegar onde estou agora, no comando dos predadores, eu escolhi sobreviver. Mesmo que isso pareça clichê e superficial, é como as coisas são. Meus antigos amigos, ou meu único antigo amigo foi algo que eu tive que abrir mão quando o ensino médio começou. Minha vida, aos olhos de qualquer outra pessoa, era perfeita e sem rachaduras, e era assim que eu deveria manter desde então. Mas lá no fundo eu nunca deixei de saber quem eu era, e no fim, era isso que mantinha minha sanidade no meio desse zoológico.

Eu era uma cínica, e talvez as coisas mudarem não foi tão ruim assim, eu precisava da mudança para abrir os olhos, isso se a gente não levar em conta as mortes que me acompanharam no caminho. Por enquanto devemos focar no início, onde eu ainda era normal.

– Oi gata – Jake desliza a mão pela minha cintura e me puxa para perto – Feliz aniversário.

Jake cheirava à D&G Blue, o que disfarçava um pouco o odor de álcool que saía de sua boca quando ele falava. Imagino que assim como os outros, tenha começado a beber bem antes de eu chegar. Mas eu não me importava, porque Jake era... tudo para mim, eu o vivia, o respirava, a presença dele era esmagadora.

– Você já me mandou flores na escola, Jake, em cada aula, e colocou cartões escritos a mão no meu armário, não precisa me dar feliz aniversário de novo.

– Qual é, me deixa mimar você, Ally.

– Tudo bem... – Sorri e beijei seu rosto. Vamos, Allyson, é só mais uma noite comum.

Flor da meia-noiteWhere stories live. Discover now