3. Ninguém gosta de quem sabe demais

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– Ouvi alguém chamar meu nome hoje – Comento desenrolando o cachecol assim que chegamos em casa.

– Isso não é nenhuma novidade, todo mundo te conhece – Minha mãe faz graça.

– Não, mãe, meu verdadeiro nome, de batismo.

– O quê?

– É sério, eu ouvi, não tô ficando louca, apesar de essa semana eu constantemente imaginar que sim – Franzo as sobrancelhas ao notar o olhar no rosto dos meus pais.

– Lana, isso quer dizer está na hora – A forma como meu pai pronunciou as palavras fez os pelos da minha nuca ficarem eriçados.

– Está na hora de quê? De me contar o que está acontecendo, certo?

– Só... vai dormir, Ally, amanhã conversamos sobre isso – Papai coloca a mão no meu ombro e tanta sorrir para me acalmar, como fazia quando eu tinha quinze anos.

Bom, não deu certo dessa vez, pai.

– Eu quero saber agora, parece que viram um fantasma. Se diz respeito a mim, eu preciso saber.

– Amanhã – Minha mãe insiste e eu bufo subindo as escadas para o meu quarto.

Estava na cara que a palavra "estranho" era a nova favorita do meu dicionário mental. Eu não parava de pensar em como tudo parecia fora de ordem desde que eu decidi sair para a casa de Jake no fim de semana passado. Parecia que eu não era mais a mesma pessoa, eu ouvia coisas, sentia coisas. E agora que meus pais ficaram tão neuróticos quando disse que provavelmente alguém tinha me chamado pelo nome de batismo, sabia que não era algo a ser levado para um médico.

Assim que entro no quarto, bato a porta e jogo a touca em algum canto escuro perto da janela. Há uma sombra ali, e mesmo depois de eu ter visto, a sombra não se mexe, como se sua intenção fosse ser vista, descoberta. Ligo a luz o mais rápido que posso e a sombra ganha a forma de Jordan Benacci, antes de ela andar na direção do cercado de alabastro da minha sacada e pular até o gramado. Eu corro até lá, mas ela já sumiu.

Mas que porra é essa? Eu não deveria estar pensando em Jordan ou conjurando a imagem dela na minha cabeça. Eu mal conheço a garota. E definitivamente não quero conhecer. 

Era de se esperar que eu estivesse com dificuldade para dormir depois de ver uma pessoa estranha da escola no meu quarto, no meio da noite. As hipóteses preambulavam pelos cantos mais obscuros da minha mente, e decidi ficar com o mais aceitável: Eu estava enlouquecendo, gradativamente. Definitivamente era mesmo a hora de parar de assistir à American Horror Story antes que eu precisasse de um psiquiatra.

No fundo eu sabia que o que tinha visto era real, mas não queria admitir. Ela tinha forma, ela fazia barulho quando respirava, ela tinha cheiro de um perfume doce e fresco. Além disso, seria impossível imaginar ou esquecer olhos tão escuros quanto aqueles que me encaravam. Eu estava obcecada por Jordan? Ou ela estava obcecado por mim?

Assim que consegui dormir, tive um sonho.

Estava um completo breu, e gotas de chuva geladas e pesadas colidiam com meu ombro exposto. Meu cabelo começou a ensopar e o vestido branco que eu estava a grudar do corpo, mas eu não sentia frio. Ninguém se aventurava a andar pelas ruas, exceto quatro pessoas empoleiradas debaixo do toldo de uma loja em um beco escuro, iluminados apenas por um fraco poste que insistia em funcionar apesar da tempestade.

Reconheci meus pais na cena, com grossos casacos, conversando com outro casal. Mas aparentemente eles não podiam me ver, eu era uma mera observadora em uma lembrança do passado. Experimentei chegar mais perto para ouvir a conversa, mas estava difícil me locomover por conta da água no vestido longo, e eu estava descalço.

Flor da meia-noiteحيث تعيش القصص. اكتشف الآن