9. Sofrimento adora companhia

52 6 2
                                    

Eu não me lembro muito bem o que aconteceu depois daquilo, era como se minha mente estivesse anestesiada. A escola liberou a todos depois da polícia interrogar a maioria das pessoas que estavam perto do vestiário na hora da morte, só então fomos para casa para que a perícia pudesse trabalhar no local. Estávamos todos chocados com o que tinha acontecido, todos queríamos entender.

Jake foi morto com uma facada nas costas, e ela perfurou o pulmão, foi o que o médico legista disse, não consegui muitas informações dele, mas Jordan me encontrou na saída e me contou algumas coisas. Ela sempre parecia saber de tudo. Eu só não conseguia assimilar muita coisa do que ela tentava me dizer.

Jake estava morto, ele havia sido o meu primeiro amor, não uma daquelas paixonites que tive no fundamental, eu o amava de verdade, e não conseguia esquecer a visão de seu corpo perdendo a cor, esfriando lentamente nos meus braços, seu sangue por toda a minha roupa, eu não conseguia esquecer. Era como se meu coração tivesse sido arrancado meu peito sem anestesia, e a dor era sufocante.

Já em casa, meus pais saíram mais cedo do trabalho e me fizeram companhia. Não me lembro de ter tomado banho, mas estava limpa e de pijama. Mamãe fez um chá e todos sentamos juntos no sofá, debaixo dos cobertores. Eles me davam a força que eu precisava, diziam que tudo ia ficar bem, mas nada estava bem, nunca ia ficar, e tudo era culpa minha, tudo culpa dessa maldição idiota, desse destino idiota.

Me peguei lembrando de como finalmente começamos a sair. Era o segundo ano e eu estava andando com as meninas pelo campo de lacrosse. Eu finalmente tinha conseguido me tornar a predadora que me propus a ser depois de um ano sentando um degrau abaixo de Clara Mason. Eu sabia quem era Jake Miller, afinal estava apaixonada por ele.

Ele tinha gritado "Olha a bola", e eu levantei a cabeça a tempo de ver uma pequena bola de Lacrosse acertar em cheio a minha testa. Nunca entendi muito bem porque as pessoas nos mandavam olhar quando alguma coisa está vindo em nossa direção. Abaixe, cuidado, desvie, até mesmo atenção teriam funcionado. Fiquei caída de costas, segurando um livro junto ao peito observando o céu azul, e então um rosto familiar, cabelos loiros despenteados, olhos verdes e um grande sorriso apareceram no meu campo de visão. Tínhamos nos esbarrado de novo. Uma semana depois, Jake e eu nos beijamos pela primeira vez e ele terminou com a Amanda.

Mas o céu do enterro no dia seguinte parecia cinza, mórbido, como se tivesse cansado de sorrir e resolveu fazer uma pausa. É incrível como ele sempre parece saber quando o dia está triste, e quisesse mostrar que também sentia muito.

Sinto muito.

Eu nunca tinha ouvido tanto essa expressão, ela tinha até tomado o lugar de "estranho" no meu dicionário mental. Eu não conseguia encarar as pessoas direito, muito menos os pais de Jake, que não paravam de chorar sentados no seu lugar marcado dentro da igreja. Sinto muito, eu pensava em dizer, mas se eu estava morta por dentro por perder meu namorado, a Senhora Miller estava com certeza pior por perder seu único filho, e um simples sinto muito não fariam as coisas melhorarem. Nem de longe.

Quando o padre começou a falar sobre como Jacob era memorável, eu só conseguia pensar que desejaria estar com ele agora, com meu namorado, porque ele parecia estar em paz, e paz era tudo o que eu precisava nesse momento.

Era paz, ou vingança cega.

Aquelas conhecidas palavras de enterro me fizeram viajar até o dia que meu avô morreu, eu era pequena, mas me lembro muito bem da sensação de se estar caindo, de perder meu refúgio. Naquela época eu já sabia que era adotada, mas nunca senti que não dividia o mesmo sangue com ele, éramos ligados de um modo especial. E aqui agora, eu sentia a mesma coisa, como um elo se quebrando, uma corda dentro de mim dando seu último estalo, separando os fios que restaram e seguindo um rumo diferente.

Flor da meia-noiteWhere stories live. Discover now