35. Hora de voltar pra casa

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Quando tudo isso começou, eu gostava de pensar que havia um botão, que eu podia apertar e tudo de complicado na minha vida desapareceria. Apertava e quem morreu, voltava à vida, eu não magoaria ninguém e ninguém me magoaria, ou mentiria para mim, e tudo isso ficaria certo, normal. Mas aí se eu apertasse o botão, eu sumiria também, tudo o que me tornei ao longo desses meses. Esse foi o contrapeso ideal que eu achei para sobreviver. Sou quem sou pelo que vivi, pelo que eu fiz, e por quem eu amei. Eu gosto dessa pessoa. Desajeitada, nada corajosa e tudo mais, mas eu.

Meu sonho foi o mesmo de sempre, mas, dessa vez, estava tudo ao contrário: eu estava boiando no oceano, balançando as pernas e os braços para me manter na superfície, vendo minha mãe na beira de um penhasco a centenas e centenas de metros acima de mim, tão distante que não pude identificar suas feições, apenas linhas embaçadas de sua silhueta, emolduradas contra o sol. Eu tentava alertá-la, levantar os braços e acenar para que voltasse, para que se afastasse da beirada, porém, quanto mais eu me esforçava, mais a água parecia me arrastar e me deter, com a consistência de cola, travando meus braços e se infiltrando em minha garganta para deter minhas palavras. E, o tempo todo, grãos de areia flutuavam a meu redor como neve, e eu sabia que a qualquer segundo ela seria empurrada e esmagaria a cabeça nas pedras escarpadas que emergiam da água como unhas afiadas.

E então ela estava caindo, movendo os braços, um ponto negro crescendo cada vez mais contra o sol ofuscante, e eu tentava gritar, mas não conseguia, e, à medida que a figura aumentava, eu percebia que não era minha mãe caindo na direção das pedras.

Era Jordan.

Pisquei e então era David.

Os rostos mudavam enquanto o corpo caía. Foi então que acordei.

Finalmente me levanto, ligeiramente tonta, tentando ignorar a sensação de pavor. Cambaleio lentamente até a janela da sacada do que sobrou do quarto da Adina no castelo Dunluce. É claro que a grande cama com dossel já não estava mais lá, foi substituída por um colchão fino no chão. Os móveis também sumiram, corroídos pelo tempo, dando a impressão de um quarto ainda maior. Era como estar na lembrança de novo, como se tudo ainda estivesse ali. A sensação de pisar no mesmo chão que era ela assustador, era assim que eu me sentia todas as manhãs.

Fico aliviada quando percebo que não estou em casa, eu não aguentaria encarar tudo o que estava acontecendo por lá. E apesar de correr mais perigo quando estou aqui, quando estou na sacada, a brisa que vem do mar me acalma. A atmosfera aqui dentro ainda é sufocante. As ruinas da cidade lá embaixo me deixavam intrigada, o quarto de Adina era o mais alto e não foi tão destruído como o resto. Por sorte, o castelo não recebia muitos turistas, há muitos outros mais históricos pela Grécia, e os poucos que recebíamos, era tudo encoberto por magia das diversas Bruxas presas aqui.

As diversas cartas que minha mãe enviou permaneciam debaixo do meu travesseiro, elas estavam se tornando cada vez menos frequentes com o tempo, assim com as da Hazel, que eram quase raras, e eu sabia que isso era culpa minha e da minha falta de respostas. Ia acabar acontecendo de um jeito ou de outro depois de um ano. Mas eu não podia responder, não quando tudo até agora tinha sido em vão. Eu não tinha o que dizer, então era melhor não dizer nada.

A última carta da minha mãe ainda me deixava cheia de tristeza. Calcei as botas pensando em meu pai sofrendo em sessões no hospital, com a doença que cada vez mais o corroía por dentro. Sabia que precisava estar com ele, mas eu prometi a todos que voltaria com uma vingança, e era isso que eu iria fazer, ou eu não me chamava Allyson Hale.

A porta pesada de madeira se abriu, revelando uma Liz toda tímida. Ainda não entendia qual era a dela, mas ela me tratava com fascinação, era uma das Nephilins que havia ficado presa aqui depois da morte da Adina, e para todos os que ficaram, não restou muito além de se doar à causa. Não podia colocar tudo a perder. Por Liz e por todos.

Flor da meia-noiteWhere stories live. Discover now