4. O que é ser um humano, afinal?

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Quando voltei para casa, encontrei meus pais na sala. Estavam sentados um de frente para o outro, cada um em um sofá, sérios e com as mãos sobre o colo. Pareciam estar travando uma guerra com a mente. Minhas bochechas ficaram dormentes quando todo o sangue de repente se esvaiu. Minha casa era o que Hazel sempre descrevia como "aconchegante à moda antiga". O tipo de casa em que era fácil se sentir à vontade e relaxar. Naquele momento tive a impressão contrária, e a tensão se acumulou em meus ombros.

Meus pais quase nunca brigavam, nunca discordavam um do outro, e apesar de serem de áreas completamente diferentes, eram almas gêmeas.

– A vovó está bem? – Perguntei primeiro. Era a única coisa que me ocorria para justificar ambos em casa no meio do dia e tão sérios – Vocês estão bem?

O sorriso que surgiu no rosto da minha mãe pareceu complacente e imediatamente me colocou na defensiva.

– Sim, Ally, a vovó está ótima. Todo mundo está bem. Por que não guarda a mochila e depois vem sentar com a gente? Precisamos conversar.

Tudo bem, ela me chamou de Ally, estava tudo bem, certo? Eu não tinha feito nenhuma besteira na escola. Pelo menos nada que eu já não conte para eles. Será que minha mãe descobriu sobre a visita sorrateira de Jake essa semana? Adam devia ter me sacaneado só porque não fui falar com ele essa manhã. Idiota.

Fui para o meu quarto e imaginei o que aconteceria se me trancasse lá dentro. Até olhei para a estante alta perto da porta, que poderia ser arrastada para bloquear a entrada, como se a ideia fosse realmente válida. Se eu não saísse nunca mais, eles não poderiam me dar a notícia que os preocupava tanto. Me mandariam terminar com Jake, me tirariam do time. Andei de um lado para o outro por alguns minutos, revendo minhas opções, e depois saí.

Minha mãe apontou para a solfrona (Apelidada assim por ser menor do que um sofá, mas maior do que uma poltrona). Ficava encostada na parede entre os sofás, e sentei nela. Enfiei as mãos entre as coxas para evitar roer as unhas.

– Alguém vai me contar o que está acontecendo? – Olhei diretamente para minha mãe, esperando que ela contasse.

Independentemente do que fosse, minha mãe diria com mais cuidado. Ela reconhecia a existência de sentimentos. Diferente de meu pai, que parecia achar que as pessoas eram como os programas que ele desenvolvia: fáceis de reconfigurar quando não reagissem como o esperado.

O rosto dela não disse nada a princípio, depois suavizou e assumiu uma expressão parecida com pena. Não era um bom sinal. Mas foi meu pai que começou a falar:

– Bom, você sabe que é adotada né? Sempre procuramos falar isso pra você para que não vire uma daquelas adolescentes que fica revoltada.

Eu sorri aliviada e cheguei um pouco mais para frente.

– Então é isso? Sobre aquela noite? Ah pai, tudo bem. Eu estou bem. Esse papo de adoção não me chateia nem um pouco. Sei que estou no melhor lugar que eu poderia estar.

– Não, não é isso – Minha mãe suspira – Seus pais biológicos entregaram você para a gente por ser mais seguro já que você não é muito... normal.

– Normal? Eu não sou normal? Mãe, eu sou bem normal. Não vem me dizer que sou retardada, eu teria percebido. Ou não? Retardados sabem que são retardados?

– Você sabe que a sua mãe tem uma formação bem completa em misticismo – Meu pai disse de novo, ignorando meu comentário infeliz. Por que eu agia assim as vezes?

– É, eu sei, que que tem?

– Eu estudo sobre as coisas sobrenaturais que rodeiam nesse mundo – Mamãe toca meu joelho e eu começo a achar aquela conversa estranha, eu não sendo "normal", meus pais falarem de coisas sobrenaturais. Eu parecia estar em um filme antigo do Stephen King, e apesar de amar o cara, eu não estava confortável.

Flor da meia-noiteWhere stories live. Discover now