43. Colcha de retalhos

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Hazel

Allyson já está lá quando chego, apoiada na cerca de arame que contorna a pista, com a cabeça inclinada para trás e os olhos fechados para o sol. Seus cabelos estão soltos e caindo pelas costas, quase brancos naquela luz. Paro a cinco metros dela, desejando que pudesse memorizá-la exatamente assim e reter aquela imagem precisa em minha mente para sempre.

Depois que Jordan me ligou desesperada, contando o que a Ally fez, tive que checar com meus próprios olhos. Parte porque eu tinha que salvá-la daquilo, tirá-la daquela insanidade. Por que ela tinha feito aquilo de novo? Mas no final o que importava era: o que tinha mudado dessa vez? Será que eu estava à beira da morte?

Ela abre os olhos e me vê.

— Nem começamos a correr ainda, — Diz ela, afastando-se da cerca e dando uma olhada teatral no relógio que não existe — e você já está em segundo lugar.

— Está me desafiando? — Ando mais três metros até ela.

— Apenas um fato — Ela sorri. Seu sorriso frio treme um pouco quando me aproximo. Está aí o que eu estava procurando, a prova de a barreira podia se quebrar se eu batesse na rachadura certa. Não está tão ruim, pelo menos ela ainda não tentou me incendiar, até agora — Você parece diferente.

— Estou cansada — Confesso. Parece estranho nos cumprimentarmos sem um abraço nem nada, nunca foi assim entre nós. É um dos efeitos, suponho, ela não queria sentir coisas que a atrapalhassem, devo ser uma dessas coisas. Me arrependi de não ter dito a Allyson o quanto ela significava para mim quando tive a chance — Tive dias longos.

— Quer conversar? — Ally estreita os olhos e me encara. Eu quero conversar, ela não.

Riverland a deixou bronzeada. As sardas em seu nariz se multiplicaram como uma constelação entrando em colapso. Realmente acho que ela pode ser a menina mais bonita de Ellicot, talvez do mundo inteiro, e sinto uma dor aguda atrás das costelas ao pensar que ela vai envelhecer e se esquecer de mim. Um dia ela mal pensará no tempo que passamos juntas e, quando o fizer, o passado parecerá distante e levemente ridículo, como a lembrança de um sonho cujos detalhes já começaram a se esvanecer.

— Depois que corrermos, talvez — É a única resposta em que consigo pensar. É preciso seguir em frente: é a única maneira. É preciso seguir em frente, independe do que aconteça. É a lei universal da vida. Vida. Quase bufo, quando tudo isso acabar, vou voltar para o lugar de onde vim e protege-la de lá, sem nenhum tipo de contato permitido. Os Arcanjos não vão ser mais tão liberais assim.

— Quer dizer, depois que você comer um pouco de poeira — Diz ela, inclinando-se para a frente e alongando as pernas.

— Você tira muita onda para alguém que vive sendo sequestrada.

— Olha quem fala! — Ela levanta a cabeça, amarra o cabelo e pisca para mim — Não acho que ficar choramingando duas semanas na cama conta como exercício — Sinto uma pontada, mas não discuto, não vou perdê-la dessa vez, não vou perder mais ninguém. De qualquer forma, minha expressão não deve ser das melhores — Relaxe Hazel, é só uma brincadeira. Não se esqueça que isso já aconteceu comigo, só sentimos de modos diferentes — Mais uma piscadela.

Tudo parece tão normal, tão deliciosa e maravilhosamente normal, que apesar de tudo, uma alegria que há muito tempo não sentia me cobre da cabeça aos pés e me deixa tonta. As ruas estão pintadas pelo sol dourado e por sombras, e o ar carrega cheiro de sal, frituras e um ligeiro odor de algas na praia. Quero guardar este momento comigo para sempre, mantê-lo seguro como se fosse meu coração: minha última vida na Terra, meu segredo mais bonito. Sei que Ally também pensa isso, ela planeja alguma coisa.

Flor da meia-noiteWhere stories live. Discover now