Capítulo 4

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– Você deve se comportar – Judith entrou na loja segurando a mão do garotinho e com a outra equilibrando uma pequena mochila.

– Ok...– O garotinho se esfregou contra a coxa da garota, bocejando. 

– Ei! Ícaro! – Assobiou Alan. – Você não vai me dizer "oi"?

Ao ouvir a voz familiar do ômega, o menino arregalou os olhos e correu em direção a Alan, acenando alegremente.

O ômega pegou-o nos braços, vendo os olhos do garoto, tão escuros quanto o Judith, brilharem em contentamento, embora ele não admitisse que gostava de ficar no colo.

– Parece que faz anos que não nos vemos! – Sorriu amigavelmente, mostrando sua personalidade doce que só demonstrava para crianças gentis. Ele se sentia um pouco constrangido quando fazia isso, mas não conseguia resistir quando era Ícaro.

– Muito tempo – Olhou radiante para o ômega.

– Não se empolgue tanto – Judith advertiu. – Ele não é confiável.

Alan chiou, irritado.

– Sua tia tem inveja da nossa relação – O garotinho riu. – Ela é uma mal-amada.

Judith rosnou, de brincadeira.

– Tenho certeza que os professores gostam muito mais de mim do que um delinquente como você. Eu posso pedir qualquer coisa que eles fazem.

– Se eu tivesse tantas curvas como você eles também ficariam de quatro por mim – Mostrou a língua para Judith que riu, antes de se afastar e ajudar mais um cliente que entrava pela porta.

– Mais tarde podemos te levar para a sorveteria – Disse Alan, sentando Ícaro em cima do balcão ao ver uma das moças que entraram olhar apaixonada para o garotinho que ficou todo tímido.

Qualquer atenção que o pequeno alfa recebia o fazia corar. Isso era consequência dos suas pais, que se preocupavam mais com diversão e bebedeira do que com o próprio filho. Todas às vezes que Alan se encontrou com os pais do menino, se assustou com a falta de afinidade. O alfa parecia agressivo e mal-humorado, desclassificando seu lado paciente com Ícaro; e a ômega era gentil, mas ainda negligente, dando mais importância a seu alfa e suas traições do que com a criatura indefesa que tinha em casa.

– Eu tenho um novo brinquedo – Comentou, puxando sua mochila e alcançando seu boneco para mostrar a Alan que sorriu, acariciando a bochecha do garotinho.

– É muito lindo, alfinha. Podemos brincar mais tarde – Ícaro assentiu, feliz.

Alan não entendia como os pais de Ícaro conseguiam abandoná-lo com Judith durante dias, sem nem ligar para saber como ele estava.

– Esta é a criança? – Uma voz perguntou e Alan se virou para o lado, vendo Gael analisar Ícaro que corou, se aproximando mais do ômega.

Alan estava começando a odiar as entradas silenciosas de Gael.

– Eu acho que você já sabe a resposta – Grunhiu, não sabendo o porquê de estar irritado.

– Cumprimente Gael, querido – Judith interferiu, se aproximando enquanto deixava o casal de clientes serem atendidos por Elias.

– Oi... – Sussurrou com sua voz delicada de criança de dois anos.

Gael piscou durante um tempo, como se estivesse esquecido de falar.

– Olá.

Ícaro deu um boa olhada em Gael, sem saber que o deixava desconfortável, antes de fazer Alan se abaixar para ficar próximo ao seu rosto.

Estranho – Segredou, não entendendo que Gael ouvia.

– Sim, não é? – Alan sussurrou, sabendo bem que Gael estava atento.

– Ícaro! – Judith repreendeu. – Peça desculpas!

– O quê? – Olhou confuso para tia, sua pele morena clara corando.

– Ué, ele mentiu? – Alan revirou os olhos, achando suspeito Gael não esboçar nenhuma reação. – Você é bizarro mesmo.

Bizarro? – Repetiu Gael, aparentando frieza que queimava.

– Você é albino e tem autis...

– Ei, querido? – Judith se jogou na frente dos dois, agarrando com certa urgência os braços do menino; sentindo a tempestade se aproximando. – Quer mostrar seu caderno de colorir para Gael?

– Sim, tia – Obedeceu, abrindo sua mochila e alcançando seu caderno.

Ícaro engatinhou pela balcão até chegar ao albino, oferecendo suas pinturas para Gael que demorou um pouco para assimilar, se sentindo constrangido pelos olhares fixos. Começou a detestar a transparência do menino.

– Crianças não tem boa coordenação motora finita, visto que o sistema educacional é pautado apenas em aspectos filosóficos e matemáticos, sem ter ênfase na neurociência – Passou as páginas, vendo que o garotinho pintava com aquarela de um jeito maduro, mas sem notar que ninguém estava entendendo nada do que falava. Mas isso não era novidade – Fascinante. São bons para alguém do seu tamanho.

O menino piscou, confuso. E Judith riu, cutucando-o para agradecer.

– Obrigado? – Franziu o cenho.

Alan olhou para Judith, balançando os ombros com malícia, mas ela não deu bola.

– Branco – O garotinho sussurrou, apontando para a pele de Gael que se afastou um pouco.

– Ele é albino – Explicou Alan, arrancando com certa brutalidade o caderno de Gael.

– Hum?

– Deficiência na produção de melanina – Resumiu Gael, surpreendendo Alan por ter decidido falar por conta própria. – É devido à ausência de uma enzima envolvida na produção desse derivado polimérico. É consequência dos alelos. Eu sou muito suscetível a dilemas como fotofobias e...

– Dá para falar nossa língua? – Alan cortou, provocativo. – Tem uma criança de dois anos aqui.

– Será mesmo que é só a criança que não compreende uma linguagem mais formal que vai um pouco além de legendas de filmes pornográficos? – Comentou baixinho, notando com satisfação as pupilas de Alan dilatarem. Alan era muito fácil de se estressar.

– Filmes pornôs não tem conversas – Judith desconversou, parecendo preocupada com rumo das coisas.

– Exatamente. Ele praticamente me chamou de analfabeto! – Bufou Alan, olhando Gael de cima a baixo, desdenhosamente.

– Bonito – O garotinho interrompeu, fazendo os três olharem para baixo e observarem Ícaro tocar delicadamente no único feixe de pele nua de Gael, o pulso.

O albino puxou o braço com pressa, sentindo seu corpo tremer por dentro. Ele tolerava muitas coisas, mas sua calma mortal não permanecia por muito tempo quando alguém o tocava, mesmo que fosse uma criança.

– D-desculpe... – Ícaro se encolheu, seus olhos grandes se estreitando de vergonha, antes de correr para Judith, que deixou que o garotinho escondesse seu rosto em seu casaco.

– Eu sinto muito, Gael – Suspirou cansada. – Ele vai ficar lá para dentro. Você não vai mais nos distrair, ok?

Ícaro assentiu, dando a mão a Judith que o colocou sentado numa das cadeiras do estoque, com um tablet.

Alan observou alarmado Gael – mesmo sabendo que ele jamais retribuiria –, mas com aquele olhar Alan mostrou tudo o que pensava:

Esse cara é estranho para caralho.

StrangerWhere stories live. Discover now