Capítulo 18

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– Você sabe que precisa ir nessa consulta – Sua mãe disse ao telefone, enquanto Alan ouvia as vozes das suas irmãs ao fundo.

– A senhora diz isso porquê seu heat já está regulado. Talvez eu deve-se deixar um alfa me marcar? – Propôs de brincadeira.

– Isso porquê eu já sou velha, além de eu ter sido marcada, é claro. Mas você compreende os efeitos negativos que a marca podem trazer.

– Seria uma merda se eu fosse marcado por um alfa babaca – Se lembrou de Gael e sentiu se abastecer de ódio.

Porra, ele tinha preparado aquele caralho de bolinhos durante tanto tempo e era assim que ele retribuía? E ainda por cima mostrou vídeos chocantes que Alan mesmo não pediu para ver. Depois que chegou em casa, ficou pensando durante horas naquelas crianças e animais e sentiu vontade de chorar. Nunca que Alan tinha visto algo semelhante.

Gael parecia gostar de provocar raiva e sofrimento.

– Ei, você está se referindo a Gael? – Alanis riu, se intrometendo na linha.

– Gael? – A mãe franziu o cenho, algo começando a estalar em sua mente – Alana me contou sobre um rapaz que estava te tirando do sério.

Alan grunhiu de vergonha, rosnando para a irmã de cabelos azuis.

– Ela ficou insistindo depois que ouviu uma das nossas ligações – Se justificou.

– O nome dele é Gael? – Repetiu e Alan teve que confirmar. – Aline me disse que ele tem síndrome de Asperger e que é amigo de Judith.

– Amigo? – Riu maldoso. – Aquele cara é uma espécie de vírus contagioso. É impossível ficar ao lado dele sem ficar doente.

– Alan! – Gritou Alba, fazendo-o se calar. – Você não pode dizer isso de alguém com autismo!

– Desculpe, mãe. Mas ele é um pé no saco – Rosnou consigo mesmo, se lembrando do quão impossível era ficar ao lado dele. Uma vez, Alan tentou tocá-lo, mas foi enxotado tão brutalmente que começou a perguntar para si mesmo se tinha algo errado com suas mãos.

– Me diga como esse garoto é.

– Por que quer saber?

– Por acaso ele tem pele albina? – Supôs, fazendo-o arquear as sobrancelhas.

– Como você sabe?

– Tive algumas sessões com ele a alguns anos atrás – Confessou, se lembrando do quão pequeno, delicado e silencioso que era Gael. – Eu era orientadora de crianças e adolescentes especiais naquele tempo.

– O quê? – Trancou a respiração, alarmado. – Então vocês se conhecem?

– Ele tem sua idade, não é? – Alba perguntou e Alan concordou. – Eu mal posso acreditar que eu o encontrei depois de anos.

– E como ele era? – Não evitou perguntar.

– Muito introspectivo, o que era de se esperar. Uma vez uma garota o abraçou depois que o forçamos a ajudá-la na escola, e ele a empurrou tão forte que ela quase quebrou o braço depois de cair no chão. Os pais dela brigaram muito com ele, mas Gael continuava indiferente, como se nada importasse – Alan fez um barulho de surpresa, sem acreditar que uma criança poderia fazer isso. – Ele é uma espécie de rocha. Firme e gélida. Ele é pontiagudo e machuca. As crianças tinham medo dele – Continuou, sem parecer chocada com esse tipo de comportamento. Porque ela sabia que isso era perfeitamente normal para alguém como Gael. – Ele era muito solitário, então aprendeu a ser apático, mesmo com sua síndrome já o limitando de socializar.

– Ele nunca sorri ou demonstra tristeza. Às vezes eu penso que ele não sente nada.

Alan tentou durante as últimas semanas trazê-lo mais próximo de si. Não fazia sentido, mas não importava: ele queria Gael mais perto, mas a cada passo que Alan dava, Gael recuava três.

– Ele sente, sim. Mas como ninguém o entende, ele não se preocupa se os outros vão achá-lo desagradável ou não. Pessoas como ele não se importam com que os outros pensam sobre si – Se lembrou o quão difícil era explicar sentimentos para Gael. – E eles são muito honestos. Uma vez uma menina perguntou para ele se ela era bonita, depois que descobrir que ele nunca mentia, e Gael disse que ela era feia, então ela chorou até perder o fôlego.

– Nossa, isso é horrível – Desanimou-se. Relacionar com Gael era impossível.

– Eu o chamei e disse que ele não podia falar tudo que pensava, se isso significava chatear os outros. Eu lhe mostrei desenhos de expressões faciais e o que elas significavam. Disse que as lágrimas eram porquê ele a havia magoado. E Gael ficou tão perturbado que correu até a menina e disse que aparência não importava, porquê ela era inteligente e que os cabelos bonitos que ela tinha compensavam tudo. Eu lembro que ele falou outras coisas sobre padrões estéticos histórico-culturais, proporção áurea e neurociência. Ela não entendeu nada, mas Gael se esforçou tanto para fazê-la parar de chorar que até comprou doces como formas de desculpa.

Então ele tinha sentimentos? Ele se importava com os outros? Alan mal podia acreditar que ele sentia empatia e, de alguma forma, ficou tão contente com isso que quase não ouviu mais o que Alba dizia.

– Quer dizer que ele tem emoções? – Perguntou eufórico.

– Claro, e sente tudo isso de forma mais intensa – Mal dava para acreditar que isso era verdade: Alan praticamente ofegava do outro lado da linha e Alba fingia que não entendia o que estava acontecendo. Ela deixaria Alan descobrir por conta própria. – Quando pessoas como Gael encontram alguém que confiem, eles passam a se expressar de forma totalmente gentil. Eles podem aprender sobre o amor, amizade e companheirismo. Demora, evidentemente. Coisas ambíguas e abstratas como sentimentos e tudo o que envolve afeto é algo difícil para eles. É necessário ter paciência, porque quando eles começarem a gostar realmente de alguém, eles protegem aquilo e a tornam a coisa mais especial de suas vidas.


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