Capítulo 28

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Gael: 6 anos

Alan: 6 anos 


– Mamãe? – Gael sussurrou tímido, olhando inseguro para Eva que suspirou pesadamente.

– O que foi? – Resmungou, olhando irritada para o convite de reunião para a próxima semana. Gael sempre dava trabalho. Todos os meses ela era chamada na escola para esclarecer algumas coisas. Dessa vez era por Gael ter gritado e chutado um dos professores que tentou acalmá-lo quando o alarme soou num treinamento de incêndio.

– Ele está doente... Temos que levá-lo para o veterinário – Colocou seu lobo de pelúcia na frente do rosto, tentando se esconder.

Eva quase não ouviu o que ele disse; tendo que berrar para que repetisse com mais clareza. Gael tinha muita dificuldade na fala. Era um ótimo ouvinte e leitor, mas um péssimo orador.

Alba já tinha dito que isso típico em autistas, mas era frustrante. Todas as crianças já falavam, menos Gael que disse suas primeiras palavras só com três anos sob as ameaças de Eva.

– Não me faça perder a paciência... – Revirou os olhos, jogando o bilhete no lixo. As reuniões eram um saco.

Gael não tinha culpa se o som do alarme parecia um grito, como também não teve culpa quando aquele professor enxerido decidiu tocá-lo em uma de suas crises. Ele havia invadido seu espaço pessoal, e isso era proibido.

– Mamãe... e-ele vai... – Ergueu mais alto sua pelúcia, perguntando a si mesmo se Eva não tinha visto o quanto ele parecia adoentado. Eva nunca reparava em suas coisas, ao menos que fossem seus "erros".

– Você quer eu seja mais clara? – Rosnou para Gael que se encolheu, tremendo.

Ele estava dizendo que um brinquedo estava doente? Gael era muito avançado e muito infantil ao mesmo tempo. Sua habilidade de leitura e cálculo era atípica, mas sua intolerância ao som, toques, ou sua dificuldade de fala acabava com o encanto que Eva poderia ter por seu filho. Gael sempre estava no seu próprio mundo e quando decidia sair, era a sua ruína.

Ter uma criança autista era como viver um pesadelo.

Seu pior pesadelo que se prolongava dia após dia.

– D-desculpe... – Murmurou arrependido, tentando mostrar que entendia de bons modos. Mas Eva nunca ficava comovida com suas equações, ou com a quantidade de livros que conseguia ler, ou com suas várias estrelinhas que ganhava dos professores. Eva sempre parecia ser nada além de indiferença e vazio.


– O que houve, querido? – Alba perguntou preocupada, vendo Gael correr até si com aflição.

Essa era a única emoção que ele conseguia mostrar e, quando isso acontecia, era porquê algo estava errado.

– Está doente! – Deu vários saltos, mostrando sua pelúcia para Alba que o olhou sem entender.

– O que ele tem?

– Dor! – Rosnou baixinho, abraçando seu brinquedo.

Alba demorou para entender, mas então um estralo de bom senso ecoou na sua mente.

Crianças especiais eram especiais. Esse era o dilema: elas não eram como as outras. Gael jamais foi como os outros, e estava tudo bem em ser diferente. Alba sempre tentava orientar Eva e sua irmã quando Gael não obedecia ou não se revelava educado; mostrando que não corresponder a regras sociais não era o fim do mundo.

Outra criança saberia que dizer a um adulto que seu brinquedo favorito estava doente era como gritar em uma sala vazia. Mas quando Gael rosnava baixinho e se contorcia de ansiedade, fazia Alba lembrar que ele acreditava nela. Acreditava que ela podia ser melhor que sua própria mãe.

A ômega se ajoelhou ao seu lado, sorrindo para Gael que mal olhava para seus olhos. Mas ele estava atento. 

– Então precisamos levá-lo ao veterinário – Concluiu com naturalidade, e isso teve o efeito que esperava: Gael arregalou os olhos no seu jeito de expressar satisfação e alegria. Ele estava feliz e era somente isso que importava agora. Nada de normas. As coisas não precisavam ser sempre pretas e brancas. Elas poderiam ser cinzas às vezes. – Venha. Nós vamos agora. 

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