Capítulo 35

3.2K 327 46
                                    




Gael chegou em casa e fez todos os seus rituais, só que com uma obsessão maior. Ele tirou todos seus livros das estantes e gavetas e os organizou por cor e tamanho. E todos os detalhes em vermelho das capas faziam-no recordar dos cabelos de Alan.

Separou alguns livros que tinham um tema relacionado a filosofia, porque sabia que Alan adorava livros de filosofia. Separou também num canto poesias que apreciava e que imaginava que Alan iria gostar. Selecionou várias balas de alcaçuz que tinha em casa, porque elas eram suas favoritas e sabia que poderia agradar Alan.

Gael colocou tudo que achava suave e agradável dentro de uma caixa e marcou nela, com sua caneta favorita, que ali tinha coisas que daria para Alan quando ele acordasse.

Ele tentou deixar tudo organizado, mas as coisas nunca pareciam estar do jeito que ele queria, então, Gael entrou em crise.

Não eram só rituais: era Alan. Ele só conseguia pensar nele: na poça de sangue, na respiração falha, na paralisação de todos os músculos de seu corpo, suas alucinações e em quanto alfas tocaram nele. E quando Gael era muito estimulado a sentir emoções violentas, ele desmoronava.

Ele sabia o que iria acontecer quando as coisas começavam a ficar embaçadas como hálito contra a vidraça. A dor de cabeça era o segundo passo, antes de seu fôlego se perder e ele começar a rosnar baixinho; tentando se equilibrar nos móveis até chegar em seu quarto. Ele só precisava chegar lá e tudo ficaria bem. Mas quando olhou para frente, sentiu os poucos metros que faltavam se tornarem quilômetros.

Sua casa parecia um labirinto. Mal notou quando seus dedos apertaram um copo recém quebrado e sangraram, e muito menos nos seus pés pisaram nos fragmentos da louça. Aquilo não importava quando os corredores de sua casa pareciam assombrados.

Gael sempre ouvia murmúrios perto de seu ouvido e cochichos atrás do espelho quando estava fora de controle. E desta vez não foi diferente: foi só passar por perto da enorme moldura no corredor que sua imagem foi refletida, mostrando atrás de si aranhas se arrastando pelas paredes; as pequenas pernas fazendo o som agonizante que tinha o mesmo efeito que unhas ao quadro.

Ele berrou, mas antes de tentar mover-se, seus olhos pararam no espelho: oscilando seu pavor paralisante quando uma mão tocou seu ombro. Uma mão delicada sem braço ou outros membros enredados. Ela saia da escuridão. Sempre da escuridão.

– Por que você não se mata? – Sussurrou, com uma voz adocicada e feminina.

Eva.

Era sua mãe, com aqueles dedos que sempre tamborilavam em seu ombro, como se estivesse acompanhando um ritmo misterioso.

Um... dois... três... Ele estava tentando contar quantas vezes aquilo batia em si, até que chegou no oito. Seus cortes de lâmina. Eram a quantidade de cicatrizes que rasgavam sua pele clara e faziam-no parecer com um bordado mal feito. Faziam-no parecer com um suicida.

– Você já tentou isso antes. Por não tenta de novo?

Mais próximo de seu ouvido.

Cada vez mais perto.

Cada vez mais sufocante: o ar a sua volta parecendo rarefeito como numa montanha. Uma montanha gélida, porque quando Eva estava ao seu lado era como estar num lago congelado; com a sensação dos ossos encolhendo sob a pele.

– N-não... chegue... Não chegue perto de mim – Sentiu algo estranho lhe subir pela garganta, antes de um puxão em seu cabelo o fazer virar para trás; mas não tão inclinado para que pudesse vez seu rosto assustado no espelho. E ver Eva.

– Está com medo? – Aquilo era um murmúrio. Mas na calada da madrugada soava como um grito. – Está com medo por aquele ômega patético? Ou da solidão dolorosa que você vai voltar a sentir quando ele se for?

StrangerWhere stories live. Discover now