Capítulo 21

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– Você precisa estagnar seu choro – Alertou, vendo Ícaro o observar com olhos marejados.

Os olhares daquela criança eram tão diretos e expressivos que ele sentia que se focasse toda a sua atenção lá, o entenderia por completo.

– D-desculpa... – Tossiu, escondendo o rosto nas mãos.

Depois que conseguiu chegar onde desejava – o mais longe possível daquele alfa –, colocou o garotinho no chão, mesmo quando ele estendeu os braços no seu jeito infantil de pedir colo. Mas Gael sentia que se continuasse com Ícaro tão perto, ele o derrubaria.

– Minha nossa! Como você consegue correr tanto com uma criança? – Alan ofegou, antes de apoiar as mãos nos joelhos e respirar fundo. – Eu sou fumante. Não se esqueça disso.

Viu uma movimentação atrás de Gael, antes de Ícaro espiar por entre a coxa do albino com os olhos molhados e os lábios estreitos, tímido demais para ir até Alan sozinho.

Ele estava com vergonha e medo. Talvez Alan e Gael fossem iguais ao seu pai, que se irritava com suas lágrimas. Era por isso que precisava se controlar, porque ele não queria desagradar mais do que estava fazendo ultimamente.

– Ícaro, venha aqui – Alan se ajoelhou no chão, abrindo os braços enquanto fazia gestos encorajadores para o garotinho. – Está tudo bem... Você não precisa se esconder.

– Vai... vai ficar bravo comigo... – Soluçou, se encolhendo ainda mais contra as pernas de Gael que estava quase tendo um acesso de pânico pelo contato.

– Não, eu não estou bravo. Apenas venha aqui – Sorriu amorosamente para o garotinho que deu alguns passos hesitantes para a frente, o corpo todo trêmulo, antes de Alan pegá-lo nos braços.

Ícaro gostava do tom do ômega quando ele estava sendo gentil; lhe lembrava algodão doce, era doce, macio e fofo. E ele adora algodão doce.

– Está tudo bem em chorar, eu não vou ficar irritado – Prometeu, aconchegando o garotinho em seus braços.

Alan não conseguia entender como aquele filho da puta conseguia tratar mal um ser tão delicado e diminuto.

– Você quer contar para mim o que aconteceu? – Construiu uma atmosfera segura para o garotinho que continuava a rosnar baixinho, as pequenas mãos coçando os olhos que começavam a ficar sonolentos.

Era claro que ele não falaria. Ícaro era reprimido duramente o tempo todo, e ele não queria que seu pai ficasse raivoso novamente, ainda mais depois da última vez que Judith o viu machucado. Ícaro não tinha dito nada, mas aquilo foi o suficiente para Judith começar a lançar todos os objetos que via pela frente em direção ao alfa, rosnando e gritando, como se tivesse enlouquecido. Depois seu pai o culpou por tudo aquilo, deduzindo que Ícaro dizia mais do que lhe era permitido. E certamente as consequências foram dolorosas.

– Eu sou bom para você, alfa. Seja bom para mim e diga a verdade – Insistiu, com a voz mais dura, o que fez com que o garotinho hesitasse e Gael ficasse surpreso.

Alan tinha uma devoção especial por essa criança. Ele não conseguia imaginá-lo sendo severo com Ícaro.

– Seu pai bate em você? – Foi direto e Ícaro arregalou os olhos, olhando para todos os lados menos para Alan.

– Não... – Mentiu, mordendo o interior da bochecha.

– Odeio que mintam para mim – Alan fingiu irritação, indo colocar Ícaro de volta no chão, mas ele se agarrou ao ômega desesperadamente.

– Eu não sou um alfa mal! – Exclamou agitado, não tolerando a ideia de que a pessoa que lhe era mais gentil, começasse a afastá-lo.

– Calma, eu não estou bravo – Garantiu, vendo o pavor nos olhos de Ícaro. Ele não queria que Alan o levasse de volta para casa e tivesse que lidar solitariamente com seu pai. – Só me diga a verdade.

O garotinho começou a se acalmar quando Alan se sentou num dos bancos próximos ao parque que havia por perto, colocando-o em seu colo. Gael também se sentou ao seu lado, mais perdido do que nunca.

– E-ele fica bravo comigo e... e ele me bate e rosna e grita... Ele f-falou que eu sou um inútil e des... agradável. Papai quebrou meus brinquedos, mas... mas eu ainda tenho outros. Tá tudo bem, né? Porque eu tenho outro...

– Ícaro, levante sua camiseta – Gael ordenou, fazendo ambos o encararem atônitos.

Ergueu timidamente, expondo sua pele morena clara com alguns hematomas na região das costas e ombros. As marcas roxas pareciam recentes, manchando seu corpo como lembretes da família ruim onde tinha nascido. Gael sabia que Ícaro também teve a mesma infelicidade e parecia como ele naqueles anos passados quando vivia com hematomas e pontos negativos no coração.

– Isso... isso... – Alan foi interrompido pelo seu próprio rosnado, elevando a mão a testa e inspirando para se acalmar.

Como aquele arrombado ousava?

Ícaro olhou tristemente para Alan, encostando suas costas em seu peitoral, se acalentando da melhor forma que podia.

– Sabia que há uma rede complexa de moléculas nas lágrimas? – Gael perguntou do nada, fazendo Ícaro o olhar curioso. – Oxigênio, hidrogênio, carbono, nitrogênio, enxofre, potássio, ferro, sódio e...

– Gael, que porra você está falando? – Alan o olhou raivoso e Gael se calou, antes de dar de ombros.

– Elas são impressões bioquímicas de emoções. Representam partes fundamentas de momentos e da nossa personalidade. Eu disse para você não chorar, entretanto, eu... bem, está tudo bem você chorar. Lágrimas são mágicas! – Começou a se empolgar, capturando uma das lágrimas de Ícaro com sua mão enluvada de couro; equilibrando-a na luz para que o garotinho pudesse vê-la. – Está vendo que forma-se um pequeno arco-íris? Isso acontece quando a luz é refratada.

– Arco-íris! – Sorriu, antes de secar as próprias lágrimas, começando a se acalmar.

– Eu posso te explicar como as lágrimas se formam, e dependendo das nossas expressões faciais elas podem variar – Comentou, tão animado como uma criança. Ícaro também parecia motivado, sorrindo para Gael, mesmo que não estivesse entendendo. Mas ele gostava de olhar para o albino e vê-lo falar. Ele era diferente, e o pequeno alfa adorava coisas diferentes.

– Bonito... – Sussurrou, apontando para o alfa que o olhou sem entender, antes de Alan rir e puxar a criança para mais próximo de si.

– Ele é lindo, não é? – Ergueu os olhos para Gael, suas íris cintilando enquanto dava um sorriso que poderia significar muita coisa.

Gael trancou sua respiração, sentiu seu corpo dar um pulo numa pulsação irracional; o sangue correndo tão rápido que quase o ensurdeceu.

Era estranho ser elogiado por Alan: era a mesma sensação de ouvir uma música de idioma desconhecido. Não fazia sentido. Ele não entendia, mas ao mesmo tempo gostava, porque continuava a ser música.

– Isso foi um elogio?

Percebeu que não era só uma pergunta. Sentiu o interesse na voz de Gael e meio que gostou disso. Se ele sentisse um décimo do que estava se apossando de Alan, já estaria satisfeito.

– Interprete da forma que desejar – Deu de ombros, vendo Gael o encarar confuso.

– Eu não compreendo o que você diz.

– Eu não entendo o que você diz toda a vez que você fala – Riu, fazendo Ícaro sorrir junto embora estivesse perdido.

– Temos um dilema em comunicação – Disse sério e Alan teve com concordar.

– Temos um problema muito sério em comunicação. E ainda vamos nos foder por causa disso. 

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