Capítulo Dez: Filha de Théocras

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QUARENTA E OITO INSCRIÇÕES. Este era o número de participantes aceitos para o Torneio Trissolar da poderosa nação de Asther, realizado uma vez por ano todos os anos desde que as autoridades astherianas descobriram como a violência exacerbada e gratuita era capaz de sufocar sentimentos de insatisfação e revolta.

Lutadores de todas as partes de todos os reinos, alguns até mesmo de terras desconhecidas, vinham à capital, Théocras para tentar — e testar — suas sortes numa arena violenta.

Quase não havia regras. Matar, por exemplo, era permitido. Aleijar, mutilar e desmembrar seu oponente também. Ainda mais ínfimo do que o número de regras que existia era certamente a garantia de sobrevivência. Eu sabia que mais da metade de todas aquelas pessoas reunidas diante da arena imensa não chegaria ao fim da primeira rodada com vida. Se eles o sabiam ou não, a possibilidade era de que não deixassem transparecer ou não se abatessem com isso.

As galerias internas da Arena, quando nos foi concedida permissão para entrar, encheram-se rápido. De vazias e silenciosas se tornaram apinhadas e murmurantes. Vi tantos rostos, de todas as cores e de todas as idades. Homens e mulheres.Livres e escravos. Guerreiros experientes e mercenários. Criminosos e soldados.

Alguns se reuniram para trocar experiências, outros preferiram o exílio — como eu. Estava atenta ao burburinho, no entanto, escondida num canto em que poucos me notariam e aqueles que o fizessem me desprezariam.

Ouvi a descrição de alguns perfis na boca de mais de um participante. Um mercenário da cidade de Bavidhis. Uma ladra famosa do reino de Éberus e seu amante, um guerreiro notável. Um Encantador de Armas muito temido. Um escravo cuja fama o precedia. Uma assassina perita que jamais falhava. A filha do capitão da guarda real. E por último, mas não menos importante: havia um burburinho a respeito de Gorah, o único escravo a triunfar nas arenas em cem anos, ser o patrono de uma lutadora misteriosa nesse ano.

Sorri quando ouvi isso e desencostei da parede onde estivera estagnada pela última hora inteira, embrenhando-me entre a turba com o propósito de finalmente fazê-los me notar só um pouco.

Tantos lutadores reunidos para uma carnificina sem sentido algum, Cadius murmurou amuado, fazendo-me rir um pouco.

Era bom poder contar com seu mau humor para me distrair da tensão que a proximidade da hora meridiana me trazia, que é quando os primeiros combates se iniciariam. A sombra do ponteiro do relógio solar movia-se ora devagar, ora depressa, testando-me.

Segundo as regras, teríamos nossos nomes sorteados e seríamos enviados para a arena em grupos de três. Apenas um participante poderia avançar para a segunda rodada e se tornaria um dos dezesseis finalistas. Os outros dois deveriam, ao término de uma hora, estarem mortos ou incapacitados de continuar lutando. Metade dos combates aconteceria hoje, a outra metade amanhã, o que significava que apenas oito participantes avançariam para a segunda rodada no dia de hoje. E eu precisava ser um deles.

Olhei pelas treliças, por onde o sol forte varava, para um dos pátios externos da arena, observando por suas fendas alguns dos lutadores e a multidão ansiosa que já se aglomerava na entrada principal.

O coro de suas vozes criava uma vibração sutil no ar seco, carregando seus murmúrios. Apesar de um ou mais rostos se destacarem, nenhum deles me era familiar. Perguntei-me se Uhri me assistiria como havia prometido, se meu antigo senhor estaria naquelas arquibancadas, se o príncipe Sarghan me notaria do pódio.

— O que uma Mensageira dos deuses faz numa arena como essa?

Ouvir uma voz melódica tão próxima fez eriçar os cabelos em minha nuca. Eu me virei para um rosto estranho, embora agraciado por feições doces. Doces até demais para a natureza do espetáculo que proporcionaríamos em breve para uma plateia alvoroçada. Era jovem, de estatura mediana, um pouco mais baixa do que eu, e esbelta. Tinha olhos de uma tonalidade escura de verde azulado que me olhavam com curiosidade e suspeita, e cabelos negros cortados na altura do queixo com uma covinha.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora