Capítulo Quarenta e Cinco: Uma Noite para o Amor e para Tragédias

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SARGHAN ME GUIOU ATRAVÉS do palácio em direção a um caminho sem volta. Minha pulsação acelerou de forma violenta quando percebi que cruzávamos o corredor que levava à ala privativa dos aposentos reais. Tentei sem sucesso repelir aquela sensação fria e horripilante que se insinuou para dentro do meu coração no momento em que coloquei os pés ali.

Notando meu desconforto, ele apertou minha mão num gesto que buscava transmitir conforto. Nós só paramos defronte para as portas de madeira ornamentada do seu quarto.

— Eu só quero lhe mostrar uma coisa. É uma promessa.

E sorriu, envolvendo as mãos nas maçanetas douradas. Antes que pudesse puxá-las, contudo, ouvimos passos. Ambos nos viramos a tempo de ver a silhueta da rainha despontar no fim do corredor.

Estava sozinha, elegantemente vestida, embora preferisse desfilar suas joias e sedas em corredores lúgubres ao invés de um local mais apropriado, como o centro de um salão.

— Mãe? — Sarghan a chamou, mas seus olhos escuros e frios estavam cravados em mim e não se desviaram quando ela nos abordou.

— Então, você ainda insiste nisso, Sarghan? Mesmo depois de tudo o que eu lhe disse? — Havia repulsa no seu tom de voz, um asco tão profundo que fazia com que eu me sentisse o mais vil dos seres.

Sarghan ergueu uma mão conciliadora, mas seu cenho estava franzido.

— Mãe, não comece com isso outra vez. Nysa é minha convidada de honra — ele declarou com confiança, e eu quis me encolher e sumir. — É a campeã do reino de Asther e deve ser tratada com respeito por todos, independentemente da posição.

Os lábios da rainha se curvaram para baixo de desgosto e rugas despontaram no seu rosto belo, sulcando sua pele antes imaculada. O ódio transformava as pessoas, de fato.

Ela?! Uma convidada de honra no meu palácio?! — cuspiu entre dentes, enojada com a mera possibilidade de ter de prestar honras a mim. — Ela não passa de uma prostituta barata e mentirosa! O sangue não mente, Sarghan! Abra os olhos, meu filho — a rainha apelou num timbre urgente. — Veja-a pelo que ela realmente é! Uma rameira falsa e enganadora!

— Mãe, já chega!

Nós duas nos sobressaltamos por Sarghan haver elevado o tom de voz daquela forma. Eu nunca o vira tão exaltado ou furioso. Seu rosto estava vermelho de ira e vergonha pelas palavras que sua mãe despejara venenosamente sobre os meus ouvidos. Lágrimas marejaram os olhos escuros da rainha, molhando suas faces ao escorrerem, quando ela o fitou.

— Você a prefere a mim?! À sua própria mãe?! — Seu tom sugeria uma mágoa profunda, antiga.

Sarghan esfregou o rosto com uma mão, cansado. Tive medo de que aquela explosão de fúria pudesse desencadear uma de suas crises. Mas quando tornou a fitar a mãe, havia apenas uma tristeza distanteno seu semblante.

— Eu não quero mais discutir esse assunto com a senhora — ele a dispensou com um gesto da mão e a rainha fungou.

— Você ainda se arrependerá disso, Sarghan. Fraco como o pai, eu deveria saber! — ela cuspiu. — Mas lembre-se disso, meu filho: o sangue não mente! — E apontou um dedo em riste para mim. — O sangue nunca mente!

Engoli em seco. A rainha tremia de fúria e seu rosto molhado de lágrimas estava transtornado. Ela passou por mim, evitando esbarrar no meu ombro como se eu estivesse contaminada por uma moléstia contagiosa, e desapareceu numa confusão de sedas, joias cintilantes e lágrimas furiosas.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora