Capítulo Vinte e Sete: Estranhas Aliadas

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ZYORA E EU RECUAMOS para a beira do telhado, de cócoras outra vez, enquanto estudávamos um mapa detalhado da propriedade de Thades que jazia desenrolado sobre as elevações das telhas e ela trouxera consigo, acertando os últimos detalhes do seu plano arriscado. A luz da lua cheia felizmente nos provinha iluminação suficiente no momento, mas também asseguraria, mais tarde, de que seríamos avistadas com facilidade caso nos distraíssemos.

— Você vai entrar pelo jardim de cercas-vivas e seguir para o norte até o estábulo. Uma vez lá, coloque fogo no feno, isso nos dará algum tempo e uma boa distração — Zyora apontou no mapa para o percurso que eu deveria seguir e eu me certifiquei de memorizar o trajeto, detestaria virar uma curva errada e me deparar com um contingente de sentinelas ou assustar algum criado.

— Por quanto tempo tenho de te cobrir para que você chegue até as escravas? — perguntei.

— Me dê quanto tempo puder, mas evite matar sem necessidade. Há uma carroça a algumas ruas daqui para onde levarei todas. De lá, elas seguirão para o porto e embarcarão num barco chamado Amante de Lieser que parte ainda essa noite rumo ao oeste. Já tenho todos os pormenores acertados com o capitão.

Esclareceu enquanto enrolava o mapa e o escondia dentro da roupa justa.

— Mais uma coisa, quem me forneceu esse mapa foi a escrava que escapou.

— Eu já imaginava — resmunguei com um bufo, isso certamente complicava um pouco as coisas.

— Há uma chance de Thades ter tomado precauções depois dessa fuga e de ter alterado a planta de sua propriedade, minha recomendação é que avance com cautela.

— Vou tentar me lembrar disso — comentei sarcástica enquanto puxava a gola do traje para cima, formando uma máscara com o tecido extra que encobria quase todo o meu rosto, da linha das maçãs para baixo, deixando de fora apenas meus olhos e testa. Por sorte, o trabalho excelente de Zyora no meu cabelo me tornara outra pessoa; ninguém me reconheceria como uma lutadora das Arenas.

Que as deusas nos protejam, Cadius, murmurei para o meu — ainda — ranzinza oráculo, que ecoou minha prece de volta, mais apático e nem um pouco menos inconformado com a minha imprudência.

Juntas, Zyora e eu avançamos pelo telhado mais próximo do muro que delimitava a propriedade de Thades outra vez até que tivéssemos todo o terreno no nosso campo de visão. Silhuetas miúdas se moviam lá embaixo, as sentinelas ainda estavam a postos e mais tarde, quando colocasse nosso plano em prática, se tornariam mais vigilantes do que nunca.

— A troca de guardas acontecerá a qualquer instante — Zyora lembrou num tom urgente que fez disparar a minha pulsação; estava na hora.

Rastejei ao longo do telhado, certificando-me de sempre me manter na mesma altura da cumeeira. Localizei o ponto por onde me infiltraria e me preparei. Era difícil respirar com a máscara, mas eu poderia me habituar, além disso, seria prática para quando o incêndio começasse. Alonguei meu pescoço e as juntas dos meus dedos e me mantive em alerta enquanto um guarda lá embaixo se afastava de sua posição. Finalmente.

Antes de poder saltar, porém, Zyora me chamou. Eu me virei surpresa. Seus olhos escuros desafiavam-me, atravessavam-me, queimavam-me com o calor e a fúria de mil sóis, ou talvez procurassem queimar o homem que sentiria o gosto do seu aço antes que aquela noite terminasse.

— Lembre-se de uma última coisa, Nysa: Thades é meu.

Anuí, dócil e obediente. Nunca me passou pela cabeça tirar a vitória e a glória de Zyora. Ela me urgiu a olhar para frente e de repente eu estava focada em invadir a mansão de Thades outra vez. O guarda tinha acabado de virar as costas, afastando-se paralelamente ao muro alto que sombreava o jardim.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora