Capítulo Vinte: Rendida

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EU NÃO PODERIA NOMEAR o horror que senti ao ver um homem tão forte quanto Sarghan se debater de forma tão vulnerável no chão, indefeso como uma criança. Tive de abrir caminho entre as pessoas que se reuniram à volta dele para alcançá-lo e me recusei a pensar em como poderia ser repreendida por meu senhor, naquele momento não importava.

Finalmente cheguei até ele, a dama Thalyssa já estava ajoelhada ao seu lado, inconsolável por não poder ajudá-lo — e de volta do encontro com o seu amante ao que tudo indicava. Não precisei procurar por muito tempo para localizar o capitão da guarda real, também por perto mesmo que não fizesse ideia de como acudir o príncipe herdeiro. Decidi agir por conta própria. Lancei-me de joelhos no chão, virando-o para cima para que pudesse avaliá-lo. Ouvi murmúrios e exclamações, mas não me detive por isso.

Sarghan ainda emitia sons assustadores e seu rosto estava franzido de dor, como se algo o devorasse vivo. Era uma doença horrenda, eu não precisava saber muito para concluir isso. Toquei sua testa com as costas da mão: ele suava frio e ainda grunhia ou gemia de dor, mesmo claramente inconsciente.

— Você é uma Etérea, não é?! Sarghan me disse. Pode ajudá-lo?! — A dama Thalyssa me indagou aflita.

— Posso tentar — prometi e ela imediatamente convocou os guardas que estavam à porta para que pegassem o príncipe e o levassem para os seus aposentos.

— Vá com ele — ordenou-me quando os homens o apanharam e o levaram dali.

Levantei-me aturdida e só tive tempo de procurar meu senhor com os olhos e lhe dizer que não tinha escolha. A vida de Sarghan estava tanto em minhas mãos quanto nas mãos de minhas deusas. Deixei o salão no encalço dos guardas e a dama Thalyssa veio junto, dispensando seu pai, o Conselheiro Real, quando ele tentou fazê-lo também:

— Não, fique com os convidados, pai. Acalme-os todos — pediu e ele acatou, confiando em sua filha.

Passamos por portas imensas e pesadas, seguindo por um corredor que estava iluminado apenas pelas chamas bruxuleantes de velas perfumadas. Tentei não pensar no fato de que estava prestes a entrar na ala do palácio onde se localizavam os aposentos reais. Não tinha importância agora, especialmente frente às circunstâncias desesperadoras que me levaram até ali. Ainda assim, aquela área do palácio, tão nova para mim, tinha algo de sombrio, meio oculto que se arrastava pelas paredes frias, sem dúvida consciente de minha presença. Tentei não estremecer, mas falhei.

O grunhido de Sarghan me fez acordar para a realidade. Concentrei-me apenas nele quando o longo corredor nos levou a um lance de escadas de mármore branco. Subimos os degraus e a dama Thalyssa tomou a frente quando saímos em outro corredor, abrindo as portas que se colocavam em nosso caminho.

Finalmente ela escancarou duas portas pesadas de madeira escura e lá estávamos nós: em um aposento grande e luxuoso cujas paredes estavam cobertas por tapeçarias finas e o piso, por um carpete grosso vermelho. Havia estantes e mesas abarrotadas de livros, muitos livros mesmo. Também havia imensas janelas à minha esquerda, entreabertas para deixar que a brisa fresca noturna circulasse pelo quarto.

Os guardas imediatamente levaram o príncipe, ainda desacordado, para a grande cama que ocupava o centro do aposento, com um dossel dourado de cetim e quatro colunas de madeira escura.

Uma vez que o colocaram com cuidado sobre a cama, percebi que era a minha deixa e me esgueirei para dentro do cômodo também. Contornei a cama e me debrucei sobre Sarghan, tornando a tocar sua testa; ele estava em agonia ainda.

— Isso é comum? — perguntei quando a dama Thalyssa se aproximou para olhá-lo com uma expressão torturada, envelhecendo muitos anos o seu rosto jovial e belo.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora