Capítulo Quarenta e Dois: Um Último Obstáculo, uma Última Batalha

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NA MANHÃ DO DIA do último combate do torneio, descobri-me apreensiva por um milhão de motivos que eu jamais cogitei que pudessem me perturbar de forma tão profunda. A começar pelo fato de que eu havia dormido pouco na noite anterior, tendo me revirado pelos lençóis amarfanhados durante toda a madrugada, insone, incapaz de encontrar um único momento que fosse de paz.

Cadius testemunhou em primeira mão todo o meu tormento, mas se absteve dos comentários cheios de ironia ou mesmo das admoestações que — ele sabia — cairiam em ouvidos surdos. Ainda assim, ele ficou comigo, num recanto escuro e amargo da minha mente, seu silêncio pouco contribuía para aliviar o fardo da minha solidão.

Não rezei às deusas por proteção, para que fosse agraciada com a vitória, não rezei nem mesmo para pedir pela minha vida. Ao invés disso, descobri-me tendo de digerir a constatação de que eu, de fato, havia chegado até ali. Cada uma das decisões que tomei, cada ferida que sofri e cada cicatriz física ou emocional que carregava tinham me colocado frente a frente com aquele que foi o meu objetivo durante anos. Eu estava prestes a cruzar a porta, subir o último degrau e isso me apavorava.

Dois dias antes, meu humor havia sido outro quando celebrei, sozinha no meu quarto, o terceiro dia de San'huin. Experimentar tamanha melancolia e amargor depois de sentir a euforia e o alento daquela data era como despencar de cabeça em um precipício. Senti-me exposta, vulnerável, como se minha pele estivesse virada do avesso. Detestei cada segundo disso.

Ainda assim, quando os primeiros fachos pálidos de luz diurna vararam a janela do meu quarto, atirei as pernas para fora da cama e me despi para vestir a minha armadura, preparando-me para o grande acontecimento do dia. Verifiquei os laços e as fivelas mais vezes do que fazia, amarrei meu cabelo, peguei minha espada e escudo e, antes de deixar aquele quarto tão cheio de memórias, vi-me hesitando sob a soleira. Meu estômago vazio se agitou e nada tinha a ver com fome. Olhei para as tapeçarias penduradas nas paredes, para as cortinas que balançavam com o vento, para a cama desarrumada repleta de almofadas. Olhei tudo aquilo como se já dissesse adeus para aquela vida.

Então fechei os olhos, sacudi a cabeça para reordenar meus pensamentos e sufoquei aquele sentimento que me desolava. Saí para o corredor e desci as escadas. Ouvi as reprimendas de Dessah, certamente direcionadas à Emera, e sorri. Minha senhora estava no primeiro andar, envolta numa túnica de musselina amarela e sorriu assim que colocou os olhos em mim.

— Estava prestes a ir te chamar — murmurou ao se aproximar.

Envolveu meu rosto entre as mãos e beijou cada uma das minhas bochechas.

— Mesmo que ainda não aprove completamente e que meus nervos não permitam que eu te assista naquelas Arenas, quero que saiba que estou torcendo para que vença, Nysa — disse-me e eu assenti.

— Obrigada.

— Dê tudo de si, minha querida. — E se afastou com um abraço apertado e um giro gracioso de musselina amarela, cachos escuros e numa nuvem de perfume floral. Antes que se fosse, pensei tê-la visto, de relance, seus olhos marejarem.

Emera atravessou o cômodo correndo nesse momento, vinha na minha direção. Soltei espada e escudo quando ela se atirou nos meus braços, erguendo-a do chão e abraçando-a bem forte. Dessah veio logo atrás, ralhando com a menina pela vigésima vez sobre correr pelo palacete. Estreitei-a nos meus braços, aspirando seu cheiro doce e inocente.

— Deseje-me sorte, pequena — segredei ao pé do seu ouvido e a ouvi murmurar com sua voz infantil "boa sorte, Nysa".

Dessah tirou-a dos meus braços em seguida, mas sorriu para mim e também me desejou sorte. Meu senhor desceu as escadas, vestido com um gibão negro e com uma capa também negra pendurada sobre os ombros. Suas olheiras denunciaram que ele havia dormido tanto quanto eu na noite anterior. Ele me inspecionou da cabeça aos pés e assentiu consigo mesmo.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora