Capítulo Vinte e Cinco: Medos Antigos, Velhas Feridas

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RECEBI A VISITA do príncipe Sarghan às vésperas de meu reencontro com Zyora. Juntos, cavalgamos de volta para as praias de areia branca nas encostas rochosas de Théocras. O tempo que passava na companhia dele se tornava uma distração cada vez mais perigosa, uma tentação cujo poder de persuasão, por vezes, inquietava meu íntimo, mas eu sabia que me afastar dele também estava fora de questão.

Tinha de mantê-lo por perto mais do que nunca, para a sua própria segurança. As palavras de Ymira reverberavam na minha cabeça desde a noite da emboscada. Alguém influente na corte me queria longe de Sarghan e aparentemente tinha pagado para se assegurar de que eu nunca mais interferiria na saúde do príncipe herdeiro. Seja quem fosse, tinha chegado muito perto de conseguir esse feito, não fosse pela intervenção inesperada de Zyora.

Sob o sol inclemente, levei Vento Prateado para onde as ondas quebravam na beira da praia, para que apreciasse a sensação refrescante da água naquele princípio de tarde insuportavelmente quente. Ela trotou ao longo da orla num compasso despreocupado enquanto minha mente conturbada divagava a respeito de conspirações e maquinações, tentando sem sucesso encaixar as peças daquele enigma e conceber um rosto para o inimigo que se ocultava nas sombras.

Gorah não tinha me poupado do sermão depois do meu sumiço por um dia inteiro. Assim que pus os pés dentro de casa, logo após me despedir de Zyora, ele me surpreendeu com um tom paternalista e repreensor. Admito que senti culpa, afinal, descobri que ele e minha senhora tinham passado a noite em claro por minha causa e até o pobre Fethis foi mandado ao mercado à minha procura por mais de uma vez. Tive de ouvir cabisbaixa e muda enquanto atirava impropérios e censuras a respeito da minha completa falta de juízo. E só quando jurei que esse comportamento não se repetiria fui liberada para ir para o meu quarto.

Sei que o assunto não havia se encerrado ainda. Gorah tinha tentado me pressionar para saber do meu paradeiro e o que eu andara fazendo durante todo o dia anterior, e seus olhos atenciosos não tinham deixado escapar o curativo no meu braço. Acredito que, no fundo, ele saiba o que aconteceu. Gorah sempre teve bons instintos e podia ver através de mim como poucos. Mas seja o que for que o tenha feito se manter em silêncio, esse sentimento indesejado adensou-se entre nós dois e o fez engolir as minhas desculpas pífias. Eu não gostava de mentir para ele, mas contar a verdade também estava fora de questão.

Uma brisa quente constante, que varria toda a costa naquele dia, acariciou minha face com maior veemência, despertando-me de meus devaneios. O sol forte cintilava nas águas azuis e tranquilas do mar. Pequenas ondas ainda quebravam na orla.

Acariciei o longo pescoço de Vento Prateado e a elogiei por seu bom desempenho e disciplina durante a corrida até a praia. Ela me agradeceu quando tomou a iniciativa de continuar trotando através da larga faixa de areia onde as ondas quebravam. Sarghan finalmente nos alcançou em cima do seu puro-sangue negro.

— Lindo dia para um passeio à beira-mar, não é?

Sorri, não tive como discordar. O dia estava mesmo especialmente bonito, não se via uma única nuvem à deriva e, mais além, céu e mar por pouco não se amalgamavam, se ao menos não houvesse a divisa quase indistinguível do horizonte. Dias assim me deixavam ainda mais intranquila; aqui em Théocras aprendi quase sempre que eles significavam prenúncios de tempestades violentas.

Senti o toque de Sarghan na pele nua do meu braço, bem sobre as ataduras que eu usara para cobrir o ferimento provocado pela adaga de Meon que ainda cicatrizava. Sobressaltei-me antes de encontrar seu olhar nebuloso, a antítese perfeita daquele céu aberto. Minha túnica sem mangas, mais apropriada para um dia quente como aquele, também pouco fazia para encobrir sua existência.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora