Capítulo Vinte e Um: Instintos

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A RAINHA ME OLHOU de cima a baixo, escrutinando-me sem esconder seu desprezo ou seu desdém. Os olhos amendoados perfuravam-me implacáveis e frios. Mas, ao término de seu escrutínio, ergueram-se até o meu rosto, como se tivesse concluído que eu não era digna nem mesmo dos seus sentimentos mais vis.

O vestido vermelho belíssimo com bordados dourados, o grosso cabelo escuro preso em tranças no alto de sua cabeça e que ainda sustentavam o símbolo de sua autoridade, a coroa pesada engastada com rubis, compunham seu personagem. Ela era a exata personificação da palavra realeza, e exalava altivez e elegância. Sua compleição altiva e majestosa não me intimidou, entretanto. De certa forma, estava habituada a mulheres iguais a ela. E elas haviam deixado de me fascinar há muito, muito tempo.

Seus olhos finalmente se voltaram para o filho, ainda deitado na cama e debilitado demais para tentar se mover para recebê-la.

— Como está se sentindo? Disseram-me que você teve outra crise.

Olhei-o também porque havia acabado de me lembrar das circunstâncias que me levaram até ali em primeiro lugar; Sarghan ainda não estava completamente recuperado, mas temi que se me aproximasse dele arrebatasse uma reação dramática por parte de sua mãe.

— Eu estou bem, mãe. — E então indicou com a cabeça para mim, subservientemente parada ao lado de sua cama. — Nysa salvou a minha vida.

A repulsa que enrugou o rosto da rainha não poderia ter sido menos óbvia.

— Tem certeza de que foi uma crise? Você nunca se recuperou tão depressa assim antes.

— Sim — Sarghan concordou cansado. — Porque em todas as outras vezes não havia alguém como ela ao meu lado. A senhora poderia expressar mais abertamente a sua gratidão pela pessoa que salvou a vida do seu único filho.

Os olhos escuros da rainha se arrastaram de volta para o meu rosto com muita má vontade e tornaram a me examinar cuidadosamente, acho que avaliava se eu oferecia algum tipo de risco ao seu filho — qualquer tipo de risco.

— Você é... — interrompeu-se, dando-me a deixa para me apresentar apropriadamente.

E depois que tomei um momento para me recompor, eu o fiz.

— Sou uma competidora do torneio neste ano, Majestade. E uma Mensageira dos deuses, do reino de Torandhur. Eu me chamo Nysa — anunciei com todo o orgulho de que pudesse me valer.

— Eu ouvi da primeira vez que o meu filho falou — cortou-me, ríspida. — A minha pergunta é o que está fazendo a sós com o príncipe herdeiro do reino e quem concedeu autorização para isso?

Impaciente, expliquei-me. Não me encolhi, não demonstrei intimidação.

— A Dama Thalyssa me pediu, Majestade, em vista do perigo que o príncipe estava correndo. Eu era a única que podia ajudá-lo.

A rainha apertou suas mãos unidas e curvou os lábios carmesins numa expressão desgostosa. Veneno escorreu através de suas palavras.

— Isso é definitivamente inapropriado. — Ao vaguear pelo quarto, ela parou de repente e ergueu o olhar outra vez para mim: — Seu nome não me é estranho... Nysa. Sim, você é a protegida de Gorah. — A rainha sorriu, um sorriso desdenhoso. — Você é a escrava que ele tomou por pupila.

Retribuí seu sorriso com doçura e tive o prazer de surpreendê-la por um momento.

— Sim, Majestade.

— Mãe, basta! — Sarghan exigiu de seu leito, forçando-se a se sentar com as costas apoiadas contra as almofadas empilhadas junto à cabeceira. — Não permitirei que a destrate, em minha presença ou não.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora