Capítulo Vinte e Seis: O Senhor de Escravas

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QUANDO A NOITE em que eu deveria encontrar Zyora chegou, eu mal conseguia conter — ou mesmo disfarçar — a minha excitação. Tinha esperado, ansiosa, pelo poente, praticamente contando as horas que faltavam. Mas, se por um lado eu me encontrava num estado de quase frenesi devido à expectativa, Cadius por outro mantinha sua cautela e desconfiança intactas. Ainda era da opinião de que Zyora era pouco confiável e a minha ausência de reservas no que dizia respeito a ela continuava a enervá-lo.

Cautelosa e muito discretamente, dei um jeito de escapulir do meu quarto depois de alegar para meus senhores que me retiraria mais cedo devido a uma dor de cabeça, trancando a porta por via das dúvidas. Escalei pela balaustrada da sacada, apoiando minhas mãos e pés em saliências até poder saltar de um jeito seguro para o chão. Atravessei o jardim de minha senhora, curvada, e corri até o portão, abrindo-o e passando por ele tão depressa quanto uma rajada de vento. Depois disso, enveredar-me pelas ruas de Théocras, enquanto o sol se punha no oeste, provou-se muito mais fácil.

Uma lua cheia brilhante baixou sobre a cidade em pouco tempo, prateando os telhados das casas e as pedras do pavimento das ruas do mercado. Fiz o percurso inverso dessa vez, e cheguei, com poucos minutos de caminhada, à mesma casa do outro dia sem saber o que esperar. Toquei a maçaneta de ferro velho e ela cedeu sem esforço. Decidi abandonar certas formalidades ao abrir a porta sem me importar de bater antes, eu duvidava que Zyora estivesse esperando outra pessoa além de mim de qualquer maneira.

Espiei seu interior, dando um passo de cada vez para dentro do vestíbulo, e fechei a porta. Tirei a bolsa que trazia comigo e a coloquei sobre a mesa na cozinha, onde eu e Zyora conversamos no outro dia. Uma vela queimava solitária num candelabro.

Cogitei chamar por Zyora, uma vez que não apareceu para me receber, mas desisti da ideia depressa porque me sentiria uma tola fazendo isso. Avancei pelo corredor pequeno e estreito, não me importando com o som que os solados das minhas botas faziam no assoalho rangente. Espichei meus olhos por cada canto da casa à procura de minha anfitriã misteriosa. Não precisei procurar por muito tempo de todo modo, ela veio ao meu encontro: vestida de negro da cabeça aos pés, uma vestimenta de fácil ajuste que abraçava seu corpo elegantemente esguio.

— Está atrasada.

Zyora declarou isso com um tom monocórdio e uma expressão fechada. Resisti à vontade de lembrá-la que apesar de ter salvado a minha vida e de eu estar colaborando de bom grado com seu plano incógnito, um pouco de cortesia não seria nada mal. No fim, respondi-a com um dos meus melhores sorrisos.

— Olá para você também — murmurei ao me aproximar.

Sem mais nem menos, atirou uma muda de roupas perfeitamente dobrada que carregava sob um braço para mim, obrigando-me a agarrá-la quando se chocou contra o meu peito. Senti a textura do linho fino e ajustável com os meus dedos. Era preto como a vestimenta que Zyora usava.

— Use o quarto dos fundos para se trocar, em seguida darei um jeito no seu cabelo para que ninguém te reconheça.

Anunciou com tamanha autoridade que não me vi na posição de desacatá-la, muito embora estivesse preocupada com a menção ao meu cabelo: era de conhecimento geral que os cabelos prateados eram traços dos quais os Mensageiros deveriam orgulhar-se, pois nos distinguiam como os servos dos deuses em qualquer um dos quatro cantos da civilização. Mesmo assim, segui para o mesmo quarto do outro dia e, sem me importar em fechar a porta ou com qualquer outra bobagem, comecei a me despir.

Você bem que poderia começar a dar ouvidos aos meus conselhos, mesmo que de vez em quando, Cadius alfinetou-me enquanto eu vestia a segunda pele despreocupadamente. Havia algumas fivelas para ajuste nas botas também pretas que encontrei no quarto; couberam nos meus pés com perfeição.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora