Capítulo Dezessete: A Impotência, a Inclemência e a Benevolência

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VOLTEI AO meu lugar bem a tempo. Telak já estava anunciando a próxima luta. Esqueci-me de minha conversa estranha com o príncipe Sarghan e esqueci-me da promessa que fiz à Dashaira. Eu só poderia me concentrar na luta entre Alays e Ymira a partir de agora. Gorah estranhou meu comportamento e me perguntou se eu estava bem. Assegurei que estava, mesmo que não fosse verdade. Eu mal posso me recordar da terceira luta naquele dia. Tudo aconteceu tão rápido.

Alays e Ymira entraram na arena, reunindo-se no seu centro sob as aclamações da multidão. Eu podia praticamente farejar o odor do medo que emanava de Alays; seus ombros pequenos estavam encolhidos e tensos. Por outro lado, Ymira se movia indolente e confiante como lhe era caracteristíco.

— Ymira, filha do grandioso reino de Éberus, um passo à frente! — pediu Telak do pódio e, depois, voltou a comandar: — Alays, filha do reino de Torandhur, um passo à frente!

Enquanto repassava as regras, percebi que estava batendo o solado de minha bota no assento abaixo do meu num cacoete ansioso. Detive-me, cerrando a mandíbula com força, e esperei.

— Comecem! — Telak comandou com um abaixar do braço.

Ymira usava como arma duas cimitarras curtas, de lâminas curvas que mediam o tamanho exato dos seus antebraços e pareciam afiadas o suficiente para cortar um fio de cabelo ao meio para mim.

Alays empunhou duas de suas adagas e ambas cercaram uma a outra, avaliando-se de cima a baixo. A primeira investida proveio de Alays. Ela tinha certa técnica, não tão lapidada, mas era graciosa até certo ponto. Mas Ymira era muito mais experiente e habilidosa. O primeiro golpe dela, intransigente, cortou Alays no braço e rasgou sua camisa.

Ela se afastou surpresa com um grito de dor. Meu coração afundou no peito um pouco mais. Ymira a perseguiu implacável, manejando suas cimitarras com desenvoltura e perfeição. Alays mal conseguia se defender. Gritou outra vez quando outro corte superficial a feriu num ombro. Sangue escorreu por sua camisa.

— O que ela está fazendo? — perguntei a meu senhor, que também assistia a luta com apreensão e até desconforto. — Por que Ymira a está ferindo com cortes tão superficiais quando pode acabar com a luta?

— Olhe bem para ela, Nysa, você provavelmente já sabe a resposta também — ele respondeu-me sombrio.

Ela está brincando com Alays, criança, Cadius concluiu por mim, arrancando-me um ofego do fundo do meu peito. Houve mais um grito e mais um corte que fez Alays cambalear. Seus dois braços estavam feridos àquela altura, sangrando e quase inúteis. Mas, mesmo que não estivessem, não poderiam tê-la defendido de Ymira.

Não sei precisar por quanto tempo aquele pesadelo durou. Ymira cortou sua oponente nos braços, nas pernas, nos ombros e no rosto. Ela nunca procurou por um órgão vital ou por um ponto específico. Cortava Alays para se divertir. Apertei os dentes quando outro grito de dor de Alays ecoou por toda a arena. Mesmo a plateia estava horrorizada e silenciosa, incapaz de emitir um único som de aprovação. Porque aquilo não era uma luta justa, era um massacre.

Alays finalmente tombou na areia depois de um tempo, com tantos cortes espalhados pelo corpo que era impossível contá-los. Mas ela ainda estava consciente e usou o que lhe restava de forças para se arrastar pela areia e tentar colocar alguma distância entre ela e Ymira. Seu rosto estava molhado com lágrimas e com sangue. Não suportei mais assistir àquilo. Levantei-me, ignorando os chamados de meu senhor e me aproximei da borda da arena. Debrucei-me, desejando poder alcançá-la; não aconteceu.

Alays, gemendo de dor, deteve-se. Ymira caminhou em sua direção com toda a paciência e sangue frio de que alguém poderia dispor. Encostei minha testa à pedra quente e supliquei às deusas por qualquer sinal de que interveriam. Esperei em vão. Eu estava de mãos atadas, se me colocasse entre Alays e Ymira naquela arena não havia dúvida de que seria punida com uma expulsão. As regras eram claras: ninguém, nem mesmo o príncipe Sarghan, poderia intervir por ela.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora