Capítulo Trinta e Seis: Símbolo de Liberdade

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DOIS DIAS DEPOIS do banquete no palácio — e do meu confronto com Ymira —, resolvi voltar ao mercado de Théocras para matar tempo. Meu ferimento estava um pouco melhor e meu senhor acreditava que eu estaria em plena forma até a próxima semana, quando a penúltima rodada do torneio aconteceria.

Na véspera do primeiro dia de combate, nós, os quatro finalistas, seríamos convocados às Arenas para sortearmos os nomes de nossos adversários. Eu só rezava para que minha oponente não terminasse sendo Dashaira. Não, tinha de ser Ymira ou Rhyz. Preferencialmente Ymira, mas eu me contentaria com Rhyz de toda forma.

Devia a ambos o gosto do aço de minha espada. Por Zyora.

O dia estava excessivamente quente e ensolarado, e o mercado fervia àquela hora, no fim da manhã, tão perto do começo da tarde. Movi-me entre as barracas, espremendo-me em meio à multidão. Tinha tentado usar um disfarce para que a minha presença passasse um pouco mais despercebida pelos súditos de Théocras, e para isso tinha enrolado um lenço comprido e finamente bordado ao redor do meu cabelo. Funcionou em parte, eu acredito.

Enquanto os vendedores tentavam me empurrar de tudo um pouco, pesei a bolsinha de moedas que carregava comigo e acabei por comprar apenas o que viera buscar ali em primeiro lugar: velas perfumadas, incenso e óleos aromáticos extraídos de sementes de flores contidos em charmosos frascos de vidro.

As velas perfumadas eu acenderia dali a três semanas, no primeiro dia de San'huin, uma data dedicada às deusas Bashir e Meriath por haverem aplacado a fúria dos deuses que castigava a humanidade. Os incensos seriam queimados na manhã seguinte junto de uma reza fervorosa. Os óleos eram para o meu banho de purificação na noite do terceiro dia. Embora estivesse muito longe do templo das deusas, na capital da minha terra natal, e consequentemente do tanque cerimonial que era utilizado para esses rituais de purificação, nada me impedia de honrar as tradições do meu povo — e as minhas deusas.

San'huin, que queria dizer "dias de misericórdia", era uma das datas comemorativas mais celebradas em Torandhur, havia muita comida, bebida e louvores eram erguidos às deusas compassivas. Os mais velhos diziam que o costume era se comemorar esses três dias em toda a Nova Eghau, mas a tradição foi morrendo à medida que a presença dos Mensageiros passou a se concentrar em só um reino. No fim, apenas o meu povo ainda se lembrava de agradecê-las pela sua compaixão e misericórdia.

Aproximei-me da última barraca, uma que vendia diversos amuletos e cristais que prometiam boa sorte e afastar o azar, estendendo a mão para uma lasca de quartzo azul que estava envolta numa rede de corda fina trançada delicadamente. Antes que pudesse tocá-la, contudo, uma mão menor o fez, apanhando a pedra e puxando-a para fora do meu alcance. Detive-me, confusa, até baixar os olhos para a figura mirrada e maltrapilha que o havia tirado de mim.

— Ahdeh! — exclamei assim que o reconheci.

Ele abriu-me um sorriso inocente, estendeu a mão e abriu o punho para me oferecer o quartzo de volta. Ignorei seu gesto ao ajoelhar-me para passar os braços ao redor dos seus ombros frágeis e puxá-lo para mais perto.

— Oi, Nysa — ele murmurou num tom contido, certamente acanhado pelo meu gesto e então se queixou: — Quase não te reconheço. Por que está se escondendo?

Afastei-me para olhar para o seu rosto, esfregando meu dedo numa mancha de sujeira na sua bochecha magra. Ahdeh tinha os mesmos olhos castanhos vívidos e cheios de sonhos e esperanças dos quais eu me lembrava.

— Só pensei em tirar um dia de descanso, longe de toda a fama de finalista das Arenas — dei de ombros. — Mas e você? Como está? — perguntei a ele, que deu de ombros como eu e que só poderia ser traduzido como um "bem na medida do possível". — Espere um pouco — pedi a ele enquanto me colocava de pé outra vez.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora