Capítulo Trinta e Sete: Sem Perspectivas

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— SABE, HÁ BOATOS estranhos circulando pelas ruas de Théocras — meu senhor Gorah comentou enquanto caminhava de um lado a outro do cômodo, carregando displicentemente consigo um livro para o qual concedia uma ínfima atenção.

Ergui os olhos do livro que eu fingira ler durante a última hora e até mesmo Fethis pousou a pena a centímetros da folha de registros que preenchia religiosamente na escrivaninha. Meu senhor se deteve, fechou o livro com capa de couro com um movimento repentino e se virou para mim. A claridade da manhã varava as grandes janelas do seu gabinete e uma brisa suave balançava as cortinas finas que as cobriam.

— Que espécie de boatos, senhor? — eu perguntei ao também fechar o meu livro, pousando-o no meu colo.

— Boatos a respeito de uma Mensageira de cabelos prateados ter visitado a favela com frequência nos últimos dias.

Engoli em seco, antevendo sua censura.

— Para se reunir com escravos — completou, e Fethis tornou a se debruçar sobre o seu livro de registros como se não estivesse mais nem um pouco interessado no assunto ou talvez porque soubesse que o melhor a fazer seria nos ignorar.

Comprimi os lábios, ponderando sobre o que diria. Se mentisse, decepcionaria meu senhor, mas se revelasse a verdade acredito que seria punida de toda forma. Sempre opte pela verdade, Cadius me aconselhou com complacência. Uma verdade, ainda que indesejada, é sempre mais benquista a uma mentira floreada.

Suspirei, concordando. Nos últimos dias, eu vinha sim visitando a favela com frequência. Para rever Micah e Ahdeh, e Jav e Denya e o pequeno Samier — a quem eu trouxera ao mundo e a quem seus pais me concederam a honra de nomear —, e Iaev e a todos os outros. Gostava de contar a eles sobre as histórias do nosso mundo, sobre a benevolência das minhas deusas, sobre os costumes do meu povo.

Eles me ouviam com atenção, me saudavam e me agradeciam. Ofereciam-me sorrisos gentis, e palavras agradáveis e sinceras. E eu adorava cada pequeno momento que passava na companhia deles.

— Os boatos não mentem, senhor — murmurei num timbre monótono, não o desfitando, não importasse o quanto seu cenho se franzisse e carregasse o seu olhar de sombras.

Ele meneou a cabeça e exalou profundamente. Aproximou-se em seguida, puxou uma cadeira e se sentou de frente para mim, olhando-me nos olhos.

— E o que pretende com isso, Nysa? Quer acender a fagulha de uma rebelião?

— De forma alguma — assegurei com convicção. — Só desejo lhes dar esperança, forças para que continuem de pé.

— E para que sejam perigosamente orgulhosos como você? — ele me questionou, erguendo bem as sobrancelhas inquisitivamente, e eu emudeci.

Fitei meu senhor de modo duro. Nenhum de nós decidiu que cederia para o outro, vi isso no seu rosto. Éramos ambos teimosos e cabeças duras, sabíamos disso, e se dependesse unicamente de nossas tenacidades aquele embate de olhares não acabaria nunca.

Por fim, Gorah suspirou; ele sempre era o mais diplomático de nós dois.

— Tem que compreender a razão de eu estar preocupado — ele disse depois de um momento, num tom mais brando e condescendente. — Entendo por que você queira inspirar coragem neles, mas precisa ter cuidado para não acabar causando um incêndio.

Assenti. Eu compreendia a razão do seu sentimento de apreensão, eu mesma estava sendo muito mais cautelosa do que o comum para não incitá-los a uma morte certa, não quando a liberdade de todos eles estava tão perto, mais perto do que nunca na verdade segundo Sarghan.

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora