Capítulo Quarenta e Quatro: O Grande Festim do Vencedor

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DASHAIRA SE LEVANTOU, mesmo com uma careta de dor, mas não fez menção de se aproximar, tampouco de dizer algo. Percorri seu corpo coberto de equimoses que já descoloriam para um tom amarelado, tal como o meu, com os olhos antes de engolir em seco e dar um passo adiante.

— Pensei que pudéssemos conversar — murmurei e ela ergueu as sobrancelhas, confusa.

— E temos algo a conversar? — perguntou-me de forma aturdida.

Meneei a cabeça e dei mais um passo adiante. Não pretendi acuá-la, mas foi exatamente o que acabei fazendo. Dashaira recuou na direção da cama e se sentou devagar. Seu ombro estava enfaixado, assim como todo o seu tórax. Minha espada havia lhe infligido aqueles ferimentos. Mordi o lábio, insegura de repente se deveria mesmo estar ali depois de tudo.

Dashaira suspirou, resignada.

— Você venceu, Nysa, e eu te prometi que não haveria ressentimentos. E não há, se é isso o que te preocupa.

— Não é — eu me adiantei, então me detive para me corrigir, tocando a minha têmpora ainda um pouco dolorida. — Na verdade, isso me preocupa sim, mas o motivo pelo qual precisava vir aqui é outro.

— Pois então diga — urgiu-me com um franzir do cenho.

Respirei fundo e me arrependi por isso quando minhas costelas protestaram. Engoli aquele gosto amargo na boca e procurei me lembrar do momento decisivo que definiu toda a nossa batalha duas semanas antes. O momento em que a atingi com a espada pela primeira vez. Fitei Dashaira.

— Por que me deixou vencer a luta? — perguntei a ela num tom acusatório que eu não pretendi que escapasse, mas escapou; cerrei um punho, correndo os olhos pelo talho enfaixado no seu ombro. — Você abriu a sua defesa de propósito para mim, sabia que eu me aproveitaria da oportunidade, que eu não hesitaria em atacar e fez mesmo assim.

Dashaira abriu e fechou a boca várias vezes como se minhas palavras houvessem sido a coisa mais absurda que ela já ouvira em toda a sua vida, mas os seus olhos me disseram a verdade: eles estavam serenos, calorosos.

— Não sei do que você está falando, Nysa — ela rebateu com uma falsa nota de ultraje na voz. — Sua vitória foi justa, você venceu, é a campeã. Aceite isso e pare de enfiar sandices nessa sua cabeça.

Meneei a cabeça devagar, discordando.

— Não. Minha vitória foi uma fraude e ambas sabemos disso. Você era mais forte do que eu. Era mais rápida, mais ágil. Eu nunca teria sido capaz de te derrotar numa luta justa, Dashaira.

Dashaira me encarou, lívida, os lábios continuavam apartados. Aproximei-me mais um passo e enfim me sentei ao seu lado na cama. Procurei pela sua mão e a segurei; ela não fugiu do meu toque.

— Por que abriu mão do seu sonho por mim? — reformulei a pergunta num tom gentil, sondando sua face, que pendeu para o seu colo, para as nossas mãos unidas. — Nunca pedi que desistisse do seu sonho por minha causa, Dashaira.

Ela suspirou, fechou os olhos.

— Olhe para mim — pedi e ela acatou, encontrando meu olhar outra vez, sorri para aplacar seus medos.

Seu olhar era pura determinação, preso ao meu, e, de repente, sua expressão contava-me todos os seus pensamentos, tudo o que ela sentia. Sua mão apertou a minha de forma inconsciente quando enfim falou.

— Por que o meu sonho é mais importante do que a sua liberdade, Nysa? — perguntou sem verdadeiramente esperar por um contraponto. — Você lutou com tanta garra quanto eu para chegar aonde chegou. Que direito eu teria de lhe privar do seu direito de ser livre outra vez?

Nysa - A Campeã de AstherOnde as histórias ganham vida. Descobre agora