Capítulo 1

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Levantei gentilmente as palmas de minhas mãos esperando que aquele Atokirina, escarlate como sangue, pousasse tranquilamente na mesma. Seu espirito era doce e gentil, mas estava assustado, pois sua vida acabara antes do tempo. Desde a chegada do Povo do Céu em Pandora, cenas assim se tornaram comuns no santuário. Porém, a alma desse Na'vi não devia estar ali.

— Senhora? — Ouvi a voz preocupada de Liö, minha fiel ajudante, logo atrás de mim. — Senhora, o que aconteceu com este Atokirina? Por que essa cor?

— Este Na'vi teve sua vida interrompida. Foi arrancado de sua família muito cedo. — Respondi-lhe sem desviar minha atenção.

— Oh, pobrezinho. Ele ficará em paz aqui conosco.

Liö se aproximou de mim e levantou suas mãos para que eu passasse o Atokirina para ela. Mas eu não fiz. Liö ficou confusa, pois era ela quem levava as almas recém chegadas para o Bosque, onde podiam descansar em paz.

— Liö, conhece este espirito?

— Não, senhora. Nunca vi um com essa cor antes. Me parece... Que está em agonia.

— Atokirinas escarlates são bem raros, concorda? Só há dois motivos para que façam a passagem com essa cor: em suas vidas foram alguém com o coração corrompido pelo ódio ou tenham tido uma morte brutal ou... Como no caso desse, tiveram suas vidas interrompidas antes do tempo e indevidamente, causando uma alteração no equilíbrio da linha do tempo.

— Acho que não entendi, senhora.

— Este Na'vi não devia estar morto. Quando este espirito foi criado, vi que teria uma vida maravilhosa, apesar dos pesares.

Mas com essa alteração, a morte dele se tornou importante para os acontecimentos que estão por vir.  

— Mas isso está cada vez mais comum depois que o Povo do Céu veio para Pandora. — Comentou Liö.

— Sim, é verdade. Mas este Na'vi não é como qualquer outro. Ele é o primogênito de Jake Sully com Neytiri te Tskaha Mo'at'ite.

Liö chocou-se com a informação.

— Neteyam?

— Sim. Como filho mais velho, ele seria o próximo líder do clã Omatikaya. 

Voltei minha atenção para a Árvore Sagrada. Em sua frente havia um pequeno lago, cuja água era tão cristalina que podia se ver os pequenos peixes nadarem por ela. Deixei o Atokirina com Liö e me ajoelhei perante o lago, colocando minhas mãos em forma de concha em suas águas calmas e levemente aquecidas. Quando as tirei, formei uma pequena bolha, do tamanho de minhas mãos, e vi como aquele pequeno Na'vi morreu. Um tiro em seu busto havia lhe tirado a vida. Sua família ficou devastada com sua morte, principalmente seu irmão. Pude sentir seus batimentos cardíacos cessarem em minhas mãos, como se eu mesma estivesse o segurando naquele momento.

— Que morte mais horrível — Liö disse com a voz levemente trêmula — Pobrezinho, deve ter ficado muito assustado.

Deixando que a bolha escorresse por meus dedos, olhei para a Árvore Sagrada limpando uma lágrima que escorrera. Um pequeno sorriso surgiu em meus lábios.

— Oi, Mãe.

A árvore balançou seus enorme galhos com o vento. Uma brisa suave tocou-me o rosto, como se estivesse me acariciando. Fechei os olhos por um breve momento, sentindo aquela sensação de calma e tranquilidade que minha mãe trazia.

— Viu o que aconteceu com este Na'vi, não viu? Tenho sua permissão para trazer seu corpo aqui?

— Senhora?! O que está fazendo?

Ignorei Liö. 

— Quero ele aqui, Mãe. Seu espirito não está em paz como os outros e eu sei que ficando aqui, posso fazer com que ele fique. Sabe que ele merece. Ele é um garoto bom.

Todo o ambiente estava quieto. Não havia o trotar dos Pa'li ou o canto dos Syaksyuk. Havia apenas o silêncio. A Grande Árvore estava quieta, nem mesmo suas folhas ousavam cair. Ter meu pedido negado era algo raro, mas quando acontecia, sabia que não devia insistir.

— Eu entendo, Mãe. Eu pedi muito, não foi? Por favor, me perdoe. Liö, pode levá-lo ao Bosque, sim?

Esperei que a mesma se afastasse, mas não ouvi seus passos perto de mim. Liö encarava algo a alguns metros de onde estávamos e, olhando na mesma direção, percebi que havia algo azul em meio as raízes da Árvore Sagrada. Era um corpo Na'vi. Agradecida, corri até o corpo, acompanhada de Liö.

O corpo era jovem. Em seu busto havia uma marca pequena e arredondada, já cicatrizada. Era ele, eu sabia. Meu pedido fora atendido.

— Esse é o...?

— Neteyam. — Sorri.

Pegando cuidadosamente o Atokirina de Liö, coloquei-o sobre o corpo inerte, rodeado de pequeninas raízes incandescentes, que grudavam em sua pele. O pequeno espirito pairou sobre o peito de Neteyam e pousou seus pequeninos tentáculos em cima do mesmo.  Após alguns longos minutos, depois que a luz do Atokirina se apagou, Neteyam estava diante de nós com um olhar confuso e assustado. Sua mão fora involuntariamente para o lugar onde estava a cicatriz e vendo que não havia qualquer gota de sangue, se assustou mais ainda.

— Fique tranquilo. Está seguro aqui. — Falei calmamente.

— Que lugar é esse? Onde estou?

— É um pouco difícil de explicar... Você acordou agora, deve estar confuso. Por favor, fique calmo.

— Isso é óbvio. Quem são vocês? — Ele olha diretamente para mim — Quem é você?

— ... Eu sou Zaya. Filha de Eywa.

Zaya - Princesa De PandoraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora