Capítulo 50

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Acordei novamente. Mas dessa vez, estava sobre a Árvore Sagrada. Ao olhar para cima, vi algumas folhas caírem de seus galhos, formando os Atokirinas puros que eu tanto conhecia. Ao meu lado estava um Neteyam completamente adormecido.
Pensando em seu bem estar, caminhei ate o pomar e peguei algumas frutas para quando ele acordasse.

Não demorou muito para que o mesmo despertasse. Neteyam parece feliz e aliviado em me ver.

— Graças a Eywa! Você está bem. — Sorriu ele, tomando minhas mãos.

— Na verdade, é graças a você e Kiri que me trouxeram. Aqui, deve estar com fome.

Entreguei-lhe a cesta de frutas, mas o mesmo recusou-se a comer. Neteyam olhou diretamente para o local de meu ferimentos, perguntando-me se estava completamente cicatrizado.

— Eu estou bem, Ma'teyam. Quando uso meu poder de cura para salvar animais grandes, como um Akula ou um Tulkun, parte de minha força vital é transferida para ele. Se faço muito isso em um intervalo curto de tempo, eu... Fico fraca.

— Era para isso realmente acontecer? Digo... Você e Eywa são poderosas.

— Não é questão de poder, e sim, conexão. Meu espírito está completamente ligado à Pandora, então, se um animal é ferido ou perdemos boa parte de nossa vegetação, por exemplo, são refletido em meu corpo. Como... se fosse uma extensão minha. Foi a forma que minha mãe encontrou de me alertar e garantir que eu cuidasse de tudo. Então... Se um animal se machuca, eu me machuco. E se eu me machuco...

— Eywa se machuca. — Completou ele — Você, Eywa, Pandora... São um só. Mas eu não entendo. Você não se machuca quando Na'vi são atacados. Por quê?

— Na verdade, eu sinto também. Mas numa escala bem menor. Animais possuem uma conexão mais ampla e profunda com o Mundo Espiritual por serem seres puros. Desde seu nascimento até sua morte. Até mesmo o terrível Palulukan é um animal puro. Vocês nativos foram a última criação de minha mãe, Ma'teyam, mas isso não os torna menos importantes, muito pelo contrário.

Neteyam segurou minhas mãos, aparentando cansaço.

— Hoje foi um dia bem cheio. Adoraria passar uma noite aqui e relembrar nossos tempos no Mundo Espiritual, mas minha família e nossos amigos devem estar preocupados conosco. Devemos voltar...

— Ainda não. A Grande Eywa gostaria de falar com Kiri.

Neteyam arregalou os olhos e ergueu suas orelhas em completa surpresa.

— Eywa quer falar com minha irmã pessoalmente?

— Agora que as coisas se acalmaram, está na hora de resolvermos os problemas que estavam pendentes.

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Kiri me olhava com certa hesitação em seu olhar. Estávamos abaixo da Grande Árvore, diante de um de seus filamentos bioluminescentes. Segurei-o com sutileza, enquanto conectava meu queue a ele, encorajando Kiri a fazer o mesmo.
A garota estava assustada, receosa, mas ao mesmo tempo, curiosa e ansiosa pela conexão.

— Kiri, vai ficar tudo bem. — Sorri docemente.

— E se eu tiver outro daqueles ataques epiléticos? Foi uma sensação horrível, não quero sentir aquilo de novo.

— Você não vai. Estarei com você, viu? — Mostrei-lhe meu queue conectado a árvore — Sozinha, você teria que aguentar todo o poder de nossa mãe percorrer pelo seu corpo de uma vez. Mas comigo, o poder dela percorrerá por nós duas. Você não ficará em perigo em nenhum momento se quer. Pode confiar em mim.

— Kiri... — Neteyam chamara sua atenção — Você sempre quis ter respostas sobre sua origem e sobre quem é, não é mesmo? Agora é sua chance.

Kiri olhou para a Grande Árvore, temerosa.

— Eu quero.

Segurando cuidadosamente o filamento bioluminescente, Kiri conectou seu queue. Ambas fechamos os olhos e só o abrimos, quando passamos para o Plano Ancestral, onde minha mãe residia. O Plano Ancestral nada mais era do que um espelho do Mundo Espiritual, mas sem os animais espíritos. Nesse plano, nada poderia adentrar sem conexão com a Grande Mãe, era como um refúgio para que Eywa pudesse continuar cuidando de Pandora.

Kiri parecia completamente extasiada. Seus olhos percorriam o lugar como se quisessem memorizar cada detalhe daquele plano. Mamãe surgiu ao meu lado, olhando docemente para Kiri, que, ao vê-la ali pessoalmente, assustou-se e ficou em posição de alerta.

— Kiri, quero que conheça nossa mãe, Eywa.

— ... Eywa? Eywa, a criadora?

— Oi, Kiri. — Mamãe sorrira para a nativa.

— Isso até parece um sonho.  Você... É do jeitinho que eu imaginei.

Eywa soltou uma risada fraca, risada essa que há muito eu não ouvia.

— Como você cresceu, pequena. Está tão linda.

Kiri sorriu envergonhada, mas logo pareceu ter se lembrado de algo.

— Grande Eywa, eu tenho dúvidas.

— E responderei cada uma delas.

Mamãe fez um gesto para que sentássemos e assim nós fizemos, com Kiri de frente para nós. Kiri parecia escolher as palavras certas, talvez por medo de nossa mãe não compreender ou interpretar errado.

— Kiri, não tem que se preocupar com nada disso. Apenas seja você mesma. — Aconselhei.

Kiri assistiu.

— Eywa... O que eu sou?

— Você é uma parte minha, assim como Zaya é.

— Certo, mas há uma diferença enorme entre mim e Zaya. Sempre que eu me conecto... Me conectava, no caso, com a Árvore das Almas, era a Grace quem eu via.

Eywa parecia pensativa por alguns minutos, o que deixou Kiri um pouco nervosa. Mas eis a sua resposta:

— Enquanto o Clã Omaticaya realizava o ritual de transferência neural do corpo de Grace para o corpo de Avatar, eu ouvi uma voz chamar por mim. Era seu pai adotivo, Jake Sully, pedindo para que eu ajudasse a Dra. Augustine. "Pandora precisa da Grace", foram essas as palavras que seu pai dizia a mim. E eu quis muito ajudar, Kiri. Mas Grace já estava morrendo.  Antes que eu pudesse realizar a transferência, sua mãe já havia falecido. E como não sendo uma criação minha, a Dra. Augustine não poderia voltar como um Atokirina. Não posso modificar seu espírito, mas posso movê-lo. Então, naquele dia, quando o último Atokirina surgiu da minha Árvore Sagrada, acrescentei ao seu espírito puro, o espírito da Dra. Grace Augustine. Por isso pode vê-la enquanto faz a conexão.

— Porque ela estava e está aí dentro todo esse tempo. — Sorri.

— ... E os meus poderes?

— Kiri, para que você fosse criada, nossa mãe teve que usar muito de seu poder e de sua força vital. Não é a  mesma coisa que fazer uma transferência neural, isso envolve uma força e quantidade de poder incalculável para fazer acontecer. Por isso os rituais que os nativos fazem são necessários. Assim como seus Tsahik. Juntar um espírito nativo com um não-nativo é muito, muito difícil. Por isso é a única.

Kiri estava sem reação. Era óbvio aquilo tudo era demais para ela, mas mesmo sendo, ainda assim, era necessário. Pois Kiri merecia a verdade.

— Além disso, Kiri — Continuei — O fato de você ter visto somente a Grace, era porque você pensava nela quando se conectava. As conexões funcionam assim. E agora que você conhece nossa mãe, talvez possa fazer mais conexões com ela. Tudo o que quero é que você se sinta parte de tudo isso, assim como eu sinto. Você não está mais sozinha.

— Acho que está certa. A minha vida toda eu me sentia deslocada... Como um peixe fora d'água. Mas agora diante de vocês, eu consigo ver aonde é o meu lugar.

Kiri se aproximou de nós e segurou ambas as nossas mãos, com seus olhinhos querendo lacrimejarem.

— Eu não seria nada sem vocês. Obrigada por pensar na Grace, mãe. Agora sei que vocês duas estão comigo — Ela me olha com um sorriso doce — Vocês três.

Tocada por suas palavras, abracei Kiri fortemente, recebendo o abraço de nossa mãe logo em seguida.

Zaya - Princesa De PandoraWhere stories live. Discover now