Capítulo 2

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— Isso só pode ser algum tipo de brincadeira de mau gosto. Você? Filha de Eywa? Sabe, em parte todo mundo é, então, acaba que não é grande coisa.

— Ora, fale direito com a... — Interrompi Liö, quando percebi que Neteyam não falara aquilo por maldade.

Ele estava com medo e cabia a mim mostrar que não éramos uma ameaça.

— Traga algumas frutas para nós, Liö. Por favor.

Bufando, Liö se afastou de nós.

Neteyam ainda estava com sua mão em cima de sua cicatriz. Ele me olhava com o cenho franzido e uma de suas mãos com o punho fechado.

— Você é mesmo filho de Jake Sully, não é? — Comentei com um sorriso — Seu corpo está curado, pequeno. Não precisa se preocupar com essa cicatriz.

Neteyam baixou levemente sua mão.

— Conhece meu pai?

— Conheço, sim. Não o criei, mas estive acompanhando a história dele. Jake Sully se encontrou em meio aos nativos, não? E Neytiri, como filha do chefe, casou-se com o Toruk Makto.

— Você é mesmo quem diz ser? É que... Me parece bem comum.

Sorri fraco. Mostrei-lhe minha real aparência: um ser de luz tão intensa, que nenhum ser vivo poderia olhar diretamente. Neteyam teve que cobrir seus olhos. Após mostrar-lhe, retornei a minha aparência que escolhi justamente para que o mesmo não se assustasse: uma Na'Vi com longos cabelos brancos e ondulados, com algumas tranças e uma coroa de flores.

Neteyam parecia perplexo.

— Eu sei que é muito para assimilar e você deve estar cheio de perguntas, mas quero que descanse por agora. Almas de toda a Pandora chegam sem parar e eu devo conduzi-las ao Bosque, para que tenham seu descanso eterno.

— Não. Desculpe, mas não. Quero respostas. Por favor.

Sua determinação realmente me surpreendeu.

— Muito bem. Venha comigo.

Enquanto caminhava, Neteyam olhava para tudo com curiosidade. Achei sua ingenuidade fofa e sua curiosidade um tanto engraçadinha. Passando pela Árvore Sagrada, toquei em seu tronco gentilmente, agradecendo mais uma vez por ter concedido meu pedido. Neteyam percebeu como eu me portava diante dela e se curvou, tentando diminuir seu constrangimento.

— Está tudo bem, Neteyam. Não precisa fazer isso.

Neteyam levantou sua cabeça, de modo que seu olhar encontrou com o meu.

— Desculpe a pergunta, mas quem é Eywa afinal?

— Esta que você está vendo, é a Árvore Sagrada. Minha mãe descansa aqui e eu sou seu receptáculo neste mundo. Parte de seu poder percorre por todo meu corpo, me permitindo cuidar de vocês, nativos de Pandora. Quando uma folha cai de seu galho, um Atokirina nasce. E em seu interior contém um espirito puro, pronto para ocupar seu lugar no mundo. Ele pode ser um Na'vi, um Pa'li ou qualquer outro ser vivo. E eu sou responsável por sua passagem, tanto para ir, como para voltar.

— Então, você decide quem nasce e quem morre?

Nesse momento, Liö voltou com uma tigela de frutas. Pareciam estar bem apetitosas. Ofereci uma a Neteyam, que agradeceu timidamente.

— A Árvore Sagrada cria uma nova vida e eu a guio até sua progenitora. Mas não sou responsável por sua vida em terra e nem pela sua morte, uma vez que vocês nativos, tenham o livre arbítrio. Quando vocês morrem, suas almas retornam para cá e eu as guio para o Bosque das Almas, para terem o descanso eterno.

Neteyam me seguiu por alguns metros, até chegarmos ao Bosque. Havia centenas de Atokirinas espalhados pelo local; alguns animais-espíritos andavam tranquilamente pelas margens. Neteyam se assustou quando um Palulukan se aproximou de nós e se colocou atrás de mim. Em vida, Neteyam seria facilmente devorado por este predador, mas aqui no Mundo Espiritual, nada poderia machucá-lo.

— Está tudo bem. É apenas um animal-espirito. Pode ver sua forma, mas não pode tocá-lo.

O espirito não fez mais do que nos ignorar e passar por nós rapidamente.

— Se eu estiver certo, nesse momento eu deveria ser um Atokirina, não é? — Indagou Neteyam.

— Correto.

— Então, porque estou aqui? E vivo?

— Você retornou como um Atokirina diferente, Neteyam. Sua cor era de um vermelho vivo intenso, como sangue. Sua alma não estava em paz.

Neteyam assustou-se.

— ... Como eu morri?

Baixei os ombros involuntariamente, lembrando-me da cena. Neteyam pedindo ao seu pai que retornasse e o grito de Neytiri pedindo para que seu filho ficasse fora tão doloroso de ver.

— Minha morte foi tão horrível assim?

Neteyam realmente estava preocupado. Limpando minha garganta, contei-lhe detalhadamente o que havia acontecido. Neteyam parecia não acreditar.

— Não consigo imaginar como meus pais e irmãos devem ter ficado. — Disse o pequeno, segurando as lágrimas — Zaya, será que eu poderia voltar para eles? Eu... Eu posso voltar para casa?

— Meu menino corajoso, eu gostaria muito — Toquei seu rosto gentilmente — Mas isto mudaria o curso das coisas. Sua morte é e será importante para que sua família vença o que está por vir. A batalha por Pandora contra o  Povo do Céu está longe de acabar. Infelizmente não posso levá-lo por agora, Neteyam. Sei que está preocupado e com saudades, mas garanto que todos estão bem.

Neteyam pareceu entender. Ele limpou suas lágrimas e adotou uma postura firme, digna de um guerreiro. Meu coração se apertou ainda mais. Como filho mais velho, ele fora criado para reprimir seus sentimentos e colocar sua família a frente de suas necessidades e emoções. Um verdadeiro soldado.

— Eu entendo. — Disse ele, com a voz firme — Peço permissão para me retirar. Estou um pouco cansado.

— Claro. Pode ir. Se precisar de algo, é só chamar.

Neteyam assentiu e se afastou rapidamente. Liö retornou com dois Atokirinas e os entregou para mim, perguntando por Neteyam.

— Ele vai ficar bem. Só precisa descansar um pouco. — Respondi, vagamente.

— Sei que vai, mas... E a senhora?

Não respondi Liö e tomei meu caminho.

Os Atokirinas voaram lentamente até o meio do Bosque, se misturando com o restante. Senti uma repentina preocupação me dominar e acabei me peguei pensando em Neteyam. Sabia que o Na'Vi não queria estar ali, mas sim, junto de sua família. E eu queria poder atender seu pedido, mas isto custaria muito para Pandora naquele momento.

— Talvez não tenha sido uma boa ideia ter pedido para minha mãe para que ele ficasse.

— Se me permite, senhora... Acho que, apesar de tudo, ter trazido ele para cá não foi de todo o ruim. Há muito não vejo a senhora sorrir, tão pouco enfeitada com flores.

— Eu tinha que usar uma aparência menos assustadora, não? — Sorri fraco.

— Ele não se assustou quando você mostrou a verdadeira Zaya. Ele ficou bem  fascinado, na verdade.

Não respondi. Liö estava certa.

— Além disso — Continuou ela — A senhora sempre soube o que fazer, então, não se preocupe. Neteyam só precisa de um tempo. Tenho certeza que muito em breve ele a procurará para saber mais sobre este lugar, e claro, sobre a senhora também.

— Tem razão, Liö. Obrigada. 

Zaya - Princesa De PandoraWhere stories live. Discover now