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Olho pela pequena janela empoeirada do meu quarto, o sol está se pondo e faz a neve brilhar forte. É tão lindo. É inverso e sei que está frio lá fora, muito frio, gostaria de poder sentir o vento cortante contra meu rosto, sentir meus lábios ressecados e minha pele ardendo depois de dias caminhando ao ar livre. Mas tudo que eu tenho é o silêncio exterior que acabará em breve e o silêncio interno que nunca vai embora, as vezes parece que não vou ser capaz de sentir qualquer coisa até mesmo a dor e a tristeza de estar presa nesse lugar.
Quando isso acontece eu me forço a pensar neles, na minha família, mesmo que seus rostos e vozes já tenham ficado borrados nas minhas lembranças, eu ainda lembro da sensação de um abraço, do sabor da torta de maçã da minha mãe, do chocolate quente que meu pai preparava no inverno, do sopro do meu irmão em meu joelho ralado. Será que eles ainda lembram de mim?!
As sensações nunca vão embora, se elas fossem talvez eu não sofresse tanto, mas se eu as deixar ir, se matar meus sentimos então eu terei desistido e eu não quero desistir, não posso.
Tudo foi tirado de mim, minha festa de debutante, formatura, faculdade, primeiro amor. Durante quase 10 anos eu perdi tudo, até mesmo meu corpo e minha dignidade, mas não a esperança. Eu vou sair daqui e não vai ser em um barril de cerveja velho jogado no rio mais próximo onde meu corpo só será descoberto quando estiver podre demais. Quero sair viva, andando com as minhas últimas forças e esperanças.
Estou tão longe de casa, tão longe. Aqui todos falam russo, então sei que estou em algum lugar desse país totalmente estranho. Depois de tantos anos aprendi a falar o básico, mas no começo a língua estranha só me deixou mais e mais apavorada. Agora pelo menos sei o que me espera.

- Agatha, hora de descer. - o negro enorme e assustador interrompe meus pensamentos - Vamos.
- Boa noite, Big.
- Boa noite. Tudo bem?
- Sim. Só estou cansada.

Não preciso dizer mais nada, ele sabe o que quero dizer. Mesmo que não possamos conversar por mais de 1 minuto todas as noites, Big como o chamo já que não sei seu nome real, se tornou uma espécie de amigo, ele e a faz tudo da "casa" que chamamos de Mama, são meus únicos amigos dentro desse poço escuro e sem saída que me encontro.  As outras meninas estão tentando sobreviver assim como eu, estamos no mesmo buraco, mas não podemos dizer nada uma para a outra. Não que tenhamos a oportunidade já que comemos separadas, usamos o banheiro separadas, dormimos separadas. Cada uma no seu próprio mundo imundo e silencioso.
Chego a sala e observo a minha volta, homens engravatados de idades diferentes ocupam cada assento disponível, alguns já tem uma garota sentada em seu colo ou ajoelhada aos seus pés, eles que escolhem, e realmente não faz diferença porque a humilhação e o medo são os mesmos. 
Observo uma garota nova a minha direita, ela está com um velho cliente da casa que a agarra e alisa da forma mais indecente possível, ela luta como pode. Queria dizer que só vai ser pior.
Sabia que tinha uma garota nova, ouvimos os seus gritos a uma semana, seu choro enquanto era arrastada para cima e o quanto apanhou naquele dia.
Me aproximo do homem que é indicado pelo homem parado na entrada da sala. Forço um sorriso enquanto o homem careca segura meus dedos, ele é jovem e um velho conhecido que sempre pede por mim, eu o odeio mesmo que não seja o pior de todos que tenho que atender. Não sei seu nome, nem idade e sinto nojo cada vez que ele me chama pelo nome da própria filha, mas não falo nada.

- Oi, querida.

- Oi. - sorrio e me acomodo em sua coxa. - Está linda hoje.

- Obrigada.

- Vamos subir logo, tenho um jantar importante em casa.

Eu não me importo se ele tem um jantar, uma apresentação de ballet da filha de 12 anos que ele quer comer ou se o cachorro dele morreu. Mas ele fala assim mesmo e eu concordo com um sorriso forçado no rosto. Sobrevivência.
Chegamos ao quarto e eu sento na cama enquanto ele tira as coisas dos bolsos e se limpa com a água e os toalhas deixadas sobre a mesa.
Meu estômago já está revirando, e meu coração aos saltos, minha garganta está seca e eu seguro o choro, porque não vai adiantar chorar, o choro atrapalha suas fantasias e o deixa irritado, então ele me bate, é violento e me machuca mais que o necessário.
O homem se aproxima com dois prendedores e começa a dividir meu cabelo,  prende um punhado de cada lado e sorri.

Stolen Life (Repost)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora