IV

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Apesar de ter dormido a viagem inteira, Érika ainda sentia-se dominada pelo sono; sete horas de viagem não tinham sido o suficiente para inibir a indisposição que ela já acreditava ter eliminado no banho pela manhã. Queria logo entrar no hotel, fazer o check-in e ir para o quarto, arrependida por não ter feito uma reserva antes de pegar a estrada. Imaginava que um banho quente e demorado a deixasse mais desperta e relaxada, ou que poderia simplesmente se espreguiçar, deitar na cama e dormir de novo. Estava perdida entre os pensamentos quando foi abordada por um estranho sujeito que vinha sorrindo em sua direção, ali em frente ao hotel. Ela não havia percebido de que direção ele havia surgido.

— Olá, boa noite. Posso carregar suas malas? — ele se apressou em dizer.

— Você trabalha nesse hotel? — ela perguntou, como se buscasse orientação para si mesma.

— Sim, por isso vim recepcioná-la. — ele disse meio contristado.

— Perdão, não vi de onde você veio. — ela respondeu sem emoção nenhuma na voz.

— Mas você estava olhando pra mim! — Simons pigarreou.

— Não, meus olhos talvez estivessem. Minha mente estava em outro lugar. Podemos entrar logo? Estou cansada. — seu tom foi rude e seco.

— Sim, é claro.

Simons pegou as malas da garota recém-chegada e se dirigiu para dentro do hotel, com ela o acompanhando logo atrás. Ao passarem pela porta, Simons tentou puxar conversa mais uma vez, educadamente.

— Então, qual é o seu nome? E como foi a viagem? — ele sorriu.

— Noé.

— Noé? — Ele repetiu, confuso.

— Noé da sua conta. Podemos ir logo com isso?

Turn down for what.

Ícaro, que pôde ouvir a conversa, tentou abafar o riso sem muito sucesso, chamando a atenção para si. Érika se virou para ele e em seguida para a Tv. Então perguntou para Ícaro:

— Jogão do time favorito hoje?

"Ah, então com ele você é educada?", Simons pensou.

— É isso aí! Quer ver com a gente, madame? — Ícaro perguntou, dando um gole em sua cerveja, voltando os olhos para a televisão.

— Hum, dispenso. Mas, se o seu amiguinho aqui for rápido, já ele volta para te fazer companhia. — ela lançou uma piscadela, mesmo sabendo que o rapaz não estava olhando para ela.

— HaHaHa! — Ícaro deixou a gargalhada sair. — Simons, se apressa logo aí, tá começando. — ele concluiu.

— Eu já estou indo. — Simons respondeu, colocando a bagagem de Érika em um canto.

Ela e Simons adentraram na recepção e ele pediu suas informações para fazer o cadastro. Ela revirou a bolsa, retirando outra bolsa pequena e procurou por alguma coisa, o que Simons acreditava que fossem seus documentos. Ela passou pela CNH, que tinha mesmo sem ter carro, por alguns cartões e finalmente encontrou a carteira de identidade, deixando o último documento oculto, que entregou para Simons com a parte da foto virada para baixo, pois não era uma grande fã de sua foto na versão três por quatro. Claro que Simons fez questão de verificar esse lado, enquanto digitava os dados no computador.

— Érika Green... — ele disse encarando a foto do RG — Bem-vinda ao Hotel Setvill e bem-vinda a Setville. — ele concluiu.

— A placa já me disse isso.

— O quê?

— Nada, obrigada. — ela pegou a chave da mão dele, verificou o número do quarto, número 33 e se pôs de saída em busca do local, sem esperar que Simons a ajudasse a encontrar. De qualquer forma, saberia que ele ainda bateria em sua porta para entregar as malas deixadas na recepção. Jamais dispensaria um carregador gratuito bem ali à sua disposição.

Érika não teve dificuldade em encontrar o quarto e, quando entrou, percebeu que o ambiente era até bem aconchegante. Havia uma televisão tela plana embutida na parede, de frente para a cama, e uma geladeira pequena em um dos cantos, daquelas frigobar. Os lençóis que forravam a cama eram macios e havia um grosso edredom; olhou à procura de um ar-condicionado e não encontrou nenhum, concluindo então que devia fazer muito frio em Setville. Também haviam duas toalhas, sendo uma de rosto. E, por último, uma outra porta que levava ao banheiro. Érika pegou uma das toalhas e foi depressa para o banho. Ela tirou a roupa e ligou o chuveiro, deixando a água que, aos poucos ia ficando quente, cair no chão por alguns segundos. Deu uma olhada rápida no espelho em cima da pia e se pôs em baixo do chuveiro, deixando a água conhecer seu corpo, passeando por cada centímetro seu. Quinze minutos depois, ela estava se enrolando na toalha quando alguém bateu na porta. Quando ela abriu, era Simons com as malas. Ele se deparou com ela e arregalou os olhos, como se nunca tivesse visto uma mulher sair do banho antes. Érika ignorou seu comportamento patético, pegou as malas e fechou a porta sem dizer obrigado. Parecia que em todo lugar tinha caras idiotas. Deitou-se na cama e, em poucos minutos, pegou no sono.

A EscolhidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora