XI

20 3 1
                                    

Simons se encontrava em sua casa, sentado na sua poltrona favorita, com uma cerveja na mão, naquele ambiente escuro e gótico, como se ele fosse um adolescente fã de rock n' roll. Havia um pôster do filme O Corvo, estrelado por Brandon Lee, em uma das paredes da sala, acompanhado de outras decorações peculiares. Ele já tinha se perguntado antes que, se existissem outros vampiros, será que também teriam o mesmo estilo dele? Gostava muito de preto, apesar de não se vestir assim no trabalho, músicas de rock, assistia séries voltadas para esse tema e até lia livros do gênero de vez em quando. Era um questionamento comum para alguém como ele, certo? Simons também se pegava pensando nos fatos que o transformaram no que ele era.



Existia um laboratório de pesquisas em uma cidade vizinha, Only Faster, um nome que Simons sempre considerou ridiculamente bobo para uma cidade metropolitana. Em um certo dia, um dos experimentos escapou e acabou voando para Setville. Simons estava acampando na floresta nesse mesmo dia, sob um céu estrelado, ali fora de sua barraca, aquecendo-se na fogueira improvisada que havia aprendido a fazer pela Internet. Foi quando um morcego pousou e o mordeu no pescoço de maneira súbita. Imediatamente, Simons levou a mão ao pescoço, agarrando o pequeno animal, sentindo uma dor excruciante. Esse fato de coisas menores serem capazes de causar uma dor às vezes agonizante no ser humano sempre o rodeava os pensamentos, a fragilidade do corpo, onde era possível que até uma formiga derrubasse um homem! A dor era tão forte, que ele acabou esmagando o morcego com a mão, enquanto caía e se contorcia no chão. Acabou desmaiando, mas acordara uns dez minutos depois, sentindo muita dor de cabeça. Ele estava diferente, sentia-se diferente. Olhou para as mãos e viu que a esquerda estava suja de sangue, com resquícios do animal que o atacara. Sentiu uma sede incontrolável e lambeu todo o sangue em sua palma. Então ele ouviu passos na floresta e notou outra diferença, todos os seus sentidos estavam aguçados. Correu em direção ao som e encontrou um cervo. Avançou contra o animal e sugou todo o seu sangue. Foi quando seus caninos apareceram pela primeira vez.



De fato, Simons estava mesmo pensativo. Ainda existia um peso em sua consciência pelo que havia feito àquelas garotas. Mas ele não tinha controle. Sangue animal já não mais o saciava, ele já havia tentado isso de novo. Então não havia outro jeito. Ele também não podia contar para ninguém o que era nem o que havia feito. Estava sozinho. E seria assim para sempre.



A manhã seguinte seria o grande dia de se alimentar. Ainda veria Érika com vida essa noite e na noite seguinte. Disse para si mesmo que pelo menos daria a melhor noite da vida dela, antes de matá-la, é claro. Seria uma espécie de compensação.

Pegou o telefone e ligou para o rapaz que o substituiria no hotel na noite seguinte. Que merda! Ele disse que não poderia ir dessa vez. Simons ficou tenso. Se não fosse alimentado no domingo, só Deus saberia o que ele seria capaz de fazer. Aquilo não estava acontecendo. Tentou manter a calma e pensar em novas opções. Tinha alguém que ele podia confiar e que sabia como funcionava as coisas no hotel. Discou o número do melhor amigo e pediu que ele fosse no hotel naquela noite. Esperou a noite chegar para sair e ir ao trabalho.



Ícaro chegou por volta das 20:30h e Simons já o esperava com uma cerveja na mão. Não tinha jogo hoje, então Ícaro desconfiou.

— Vai logo falando o que você quer. — disse o amigo.

— Ah, o que é isso? Não posso mais chamar meu melhor amigo para uma visita? — Simons repeliu, rindo.

— Sei que não é só uma visita, cara. Você quer algum favor. Vai, fala aí.

— Preciso que cubra minha folga amanhã, amigo.

— Eu? Nem sei como esse hotel funciona.

— Você sabe sim. Já me viu fazendo várias vezes. É só recepcionar, ficar aí, beber algumas cervejas. Talvez nem apareçam novos hóspedes.

— Por que esse desespero, Vulkan? É uma garota, né? — perguntou Ícaro, pegando a lata de cerveja da mão de Simons e abrindo-a.

— Sim, meu amigo.

— Quem é a azarada?

— Ah, qual é!

Nesse momento, Érika entrou pela recepção, caminhando em direção à eles. Ícaro e Simons se entreolharam.

— Ah... — Ícaro sussurrou.

Érika chegou no balcão e pediu a chave do seu quarto. Ela não desejou boa noite nem mesmo agradeceu, apenas pegou a chave, virou as costas e saiu.

— Tá, se você acha que consegue com essa aí, eu fico no seu lugar amanhã. — disse Ícaro, dando um tapinha nas costas de Simons.

— Eu gosto de um jogo difícil. — respondeu Simons, olhando Érika sumir nos degraus da escada.

A EscolhidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora