XXVI

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Simons se encontrava em sua casa, sentado em sua poltrona favorita. Os restos de sua mesa de centro ainda espalhados pelo chão da sala e a parede da cozinha em destroços. Costumava ser mais organizado, mas agora parecia deixar tudo à mercê. Ele se pegava olhando para a parede onde Érika o havia pressionado, quase o matando. A vida dele valia tanto quanto a dela? Ele acreditava que não. Afinal, o que ele havia conquistado mesmo na vida? Morava em uma cidade desconhecida, tinha um emprego terrivelmente comum e não tinha parentes vivos. A pessoa mais próxima disso era Ícaro Vines, seu melhor amigo. Quanto a Érika, ela tinha tudo pela frente, o mundo em suas mãos. Era uma grande detetive, focada no trabalho e com certeza sem tempo para relacionamentos. Ela jamais ficaria presa em alguém como ele, mesmo ele estando visivelmente dependente dela. Não, depois que tudo isso passasse, ele estaria sozinho de novo. Há quanto tempo ele não tinha alguém de verdade ao lado dele? Alguém para abraçar, beijar e sussurrar baixinho quando as luzes estivessem apagadas. Quatro anos se passaram desde o último relacionamento sério. Ele estava sozinho antes mesmo de se tornar esse monstro.


De fato, não havia nada para ele, nada em que pudesse se apegar. E agora Érika estava em coma e isso também era culpa dele, porque foi por causa dele que ela veio parar em Setville, quando poderia estar muito bem onde estava antes. Se ele tivesse controlado sua sede, não houvesse cometido aqueles assassinatos, Érika não estaria machucada. Talvez ele mesmo devesse acabar com tudo isso de uma vez, tão facilmente. Poderia simplesmente abrir a porta, sair na varanda e encarar a luz do sol. Arderia em chamas até morrer por seus pecados.

Mas, enquanto era tomado pela culpa e depreciação, outro lado também pesou em sua consciência. Esperança. Independente do que estava acontecendo, Érika havia lhe dado esperança em troca de seus atos de maldade. Ela lhe dera a chance de ter uma vida normal de volta, de sair durante o dia, sentir de novo a luz do sol em sua pele, quem sabe poder ir embora de Setville e recomeçar em outro lugar. Quem sabe junto dela.

Precisava que ela se recuperasse o mais rápido possível. Não porque queria o sangue dela de novo, mas porque agora tinha a real certeza de que gostava dela. E por isso não seria fraco. Encontraria o responsável pelo que aconteceu com ela e o mataria com as próprias mãos. Talvez Érika o perdoasse por mais essa morte. Era até justificável, ele considerou. Pelo amor de Deus, ele era um vampiro. O que deveria temer? Talvez a Doralice. Ela o assustava mais do que Érika assustou.

Considerou que apenas ele e Doralice não seriam o suficiente para resolver isso logo. Doralice estaria constantemente ocupada em cuidar de Érika no hotel, e ele não poderia sair de dia, o que dificultava as coisas. Precisariam da ajuda de mais alguém, alguém em quem ele pudesse confiar segredos. Seu melhor amigo. Pegou o telefone e ligou para Ícaro. Era hora de dar aquela desculpa.

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