VI

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Érika levantou-se cedo, revigorada e disposta, a cama confortável do hotel realmente fizera milagres. Era 6:00h quando o despertador do celular tocou, que ela desligou no primeiro toque. Rolou para fora da cama e foi para o banho, passando bastante tempo debaixo do chuveiro, cantarolando; fazia esse tipo de coisa quando não havia ninguém por perto. Escolheu para vestir uma calça jeans escura e uma jaqueta de couro preta, como se fosse uma típica personagem descolada e clichê de um livro adolescente. Desceu as escadas em direção ao refeitório do hotel. Ficou surpresa em perceber que, aparentemente, ela era a única pessoa hospedada ali; talvez isso fosse natural em cidade pequena. Observou a mesa disposta com diversas guloseimas: pão francês, queijo e mortadela, fatias de melancia e melão, e até bolo de chocolate, além de outros aperitivos. Serviu-se de uma xícara cheia de café e dois pães recheados de queijo; saboreou tudo sem a mínima pressa. Quando terminou, pegou uma fatia de melancia e outra de melão e encheu um copo com suco de goiaba. Só tinha ela ali mesmo e estava faminta. Estava tão cansada ontem que esqueceu de jantar, não sabia nem mesmo se existia delivery naquele lugar. E agora pouco se importava com a mistura no estômago e os efeitos colaterais disso. Sentiu uma mão em seu ombro, que quase a fez agir instintivamente, e quando virou-se para olhar, era uma mulher baixa e sorridente, vestida com um uniforme do hotel, escrito "gerente" no peito esquerdo, o que a fez pensar que, se aquele rapaz da noite tivesse usando um uniforme, talvez ela não tivesse sido tão rude com ele, mesmo tendo sido depois que soube que ele era funcionário daquele local. A gerente a cumprimentou.

— Oi, meu nome é Kalista. Como foi sua noite no hotel? — seu tom era convidativo e agradável.

— Ah, Oi! — respondeu automaticamente — Eu me sinto ótima. Aquela cama no quarto é maravilhosa. — Érika respondeu, enquanto abocanhava a melancia. — E esse café da manhã está uma delícia.

— Fazemos o melhor que podemos. Seu conforto é o nosso sucesso. Clichê de cidade pequena. — ela diz sorrindo entredentes.

— Eu imaginei que diria isso. — Érika respondeu em tom amigável.

As duas riram. Então Kalista continuou.

— Mas então, de onde você veio? E o que faz aqui em Setville? É só uma parada rápida? — os olhos de Kalista emanavam curiosidade.

— Eu vim de Holden City. Foram sete longas horas de viagem que eu nem reparei, pois dormi a viagem inteira. — ela riu e continuou — E sim, eu vim diretamente para Setville.

Kalista demonstrou um certo espanto com a última frase.

— Desculpa a curiosidade, mas por quê? Quero dizer, Setville não é uma cidade atraente para as pessoas de fora. Na verdade, pouca gente deve ter conhecimento sobre este lugar. Por isso que pergunto o motivo da senhora ter vindo. É uma surpresa.

— Eu recebi uma carta, na verdade. — ela disse de um jeito que demonstrou que aquela era a única explicação que daria. — À propósito, onde fica a delegacia? — Érika perguntou, levantando-se e encerrando o assunto da viagem.

O misto de confusão e curiosidade no rosto de Kalista ficou evidente, mas ela não fez mais perguntas. Érika também percebeu isso, mas não considerou importante explicar naquele momento. Apenas olhou para a gerente, que era vinte centímetros mais baixa do que ela, aguardando a resposta.

— Não fica muito longe. Posso chamar um táxi agora mesmo, se quiser.

"Táxi? Talvez aquele lugar não fosse tão prosaico assim. Ou talvez fosse, quem chamaria um táxi ao invés de um uber?"

— Sim, por favor. E obrigada.

As duas seguiram em silêncio até a recepção. Kalista colocou em cima do balcão uma espécie de lista telefônica escrita à mão. Érika não pôde deixar de pensar em como aquilo era antiquado, mas se tratando do lugar onde ela estava naquele momento, isso não era nada surpreendente. Então resolveu quebrar o silêncio perguntando sobre o rapaz da noite anterior.

— Aquele rapaz de ontem a noite, que horas ele chega?

— O Vulkan Simons? Ele chega às 19:00h. Por quê?

"Todo mundo aqui é curioso ou só é ela?", pensou.

— Era só para saber mesmo. — respondeu casualmente.

— Ele a atendeu mal?

— Não, ele foi ótimo. — e ela pensou se Kalista sabia sobre a visita do amigo e das cervejas. Provavelmente, não.

Poucos minutos depois o táxi havia chegado. Érika agradeceu mais uma vez a Kalista e entrou no carro. Disse para onde desejava ir e o motorista seguiu viagem. Descobriu que os locais não eram longe um do outro em Setville, e que poderia ter ido andando se já conhecesse a cidade. Claro que logo ela teria tempo o suficiente para fazer isso. Após descer do veículo, ficou parada em frente à delegacia, lendo e relendo o letreiro da fachada, segurando a carta na mão.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now