XXVIII

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Sorvete de baunilha. Quem em sã consciência gostava desse sabor? Era o que Simons se perguntava enquanto dirigia até a sorveteria. Resolveu passar lá de repente antes de ir para o hotel. E, enquanto fazia a rota, só conseguia pensar no dia do encontro com Érika e ela pedindo o bendito sorvete de baunilha. Tirando a preferência, ela estava linda naquela noite, usando aquele vestido preto, muito mais casual que o vestido preto de Doralice. Mas, se ela tivesse usado uma maquiagem escura, até poderiam dizer que eram uma dupla gótica. Ou talvez não, Érika era charmosa demais para algo assim. Comprou seu sorvete favorito, de chocolate, isso sim era sorvete de verdade. Considerou por um instante se deveria levar um para Doralice. Optou por não o fazer, com o motivo de não saber de qual sabor ela gostava.


O telefonema para Ícaro não deu em nada; o amigo tinha ido visitar alguém na cidade vizinha, Only Faster. Era engraçado, conhecia Ícaro há quase dois anos e não sabia absolutamente nada sobre o melhor amigo; nunca o vira com outro amigo ou com uma namorada, ou algo do tipo, mesmo com todas as vantagens que ele contava. O que ele sabia era somente que Ícaro viera da cidade vizinha, chegando pouco depois que Simons havia se tornado um vampiro. O atual melhor amigo se hospedou no hotel e puxou conversa com Simons, dizendo que estava de mudança para Setville e pediu dicas de onde poderia encontrar uma casa bacana. Desde então, acabaram tornando-se parceiros em assistir futebol e tomar algumas cervejas. Apesar de Ícaro saber o endereço de Simons, ele, por sua vez, nunca descobriu onde o melhor amigo morava.

Simons teria que resolver as coisas por conta própria, afinal Ícaro só voltaria na sexta-feira. Estacionou o carro em uma das vagas em frente ao hotel. Que droga, ele ainda não tinha mandado colocar um vidro novo no veículo. Mas esse era o menor dos seus problemas. Seguiu para dentro do hotel. Kalista o esperava.

Ela o puxou pelo braço para um canto da recepção.

- Ei, ei, Vulkan. Tem alguma coisa esquisita com nossa hóspede.

Simons imaginou que ela estivesse se referindo a Doralice. Teria sido no momento em que ela fizera o check-in? Com os eventos da noite anterior, ele esquecera de fazer.

- Como assim? - ele perguntou.

- Ela apareceu para tomar café de manhã usando um vestido muito do seu estranho, com maquiagem pesada e colar com um desenho estranho, parecendo gente do demônio. Esse pessoal da cidade grande é muito esquisito.


De fato, Kalista estava falando da bruxa alcoólatra, ele concluiu.

- É...

- E essa nem é a coisa mais estranha. - ela continuou.

- Ah, não? E o que é então? - de repente ele ficou curioso. Que outras peripécias de bruxa Doralice poderia fazer?

- Ela pediu vodka no café da manhã, e aí não comeu mais nada.

Simons segurou o riso.

- Deve ter sido uma noite difícil. - ele comentou.

- Pode ser. E eu descobri que ela é a detetive que veio investigar o caso das meninas desaparecidas. Você sabia disso?

- Estou sabendo. - ele faz uma pausa - Espera aí, de quem você está falando?

- Da detetive Érika Green, menino.

Simons ficou confuso.

- Ela desceu aqui e pediu vodka? Hoje?

- É o que estou dizendo. Tá com o pensamento aonde?

- E a outra hóspede?

- Que outra hóspede? - agora era Kalista quem parecia confusa.

- Nada, esquece. O sorvete congelou o meu cérebro. Mais alguma coisa?

- Ela dispensou o serviço de quarto, não quer ser incomodada e pediu dez toalhas.

- Caramba...

Simons esperou Kalista ir embora para poder subir e ir até o quarto. Érika teria acordado? Sentiu o coração aquecer com a possibilidade. Ao entrar no quarto, descobriu que tudo continuava na mesma. Encarou Doralice.

- O que você está olhando, Edward? - ela perguntou.

- A minha gerente disse que a detetive tinha descido até o refeitório hoje pela manhã. Mas pela maneira que a detetive estava vestida e as atitudes que ela teve, mais parecia você, o que não faz sentido, já que a detetive continua na cama e vocês não são em nada parecidas.

- Eu joguei um encantozinho nela. - Doralice respondeu sem se importar.

- Encanto... zinho?

- É, a sua gerente pensa que eu sou a Érika, entendeu?

- Podia pelo menos ter agido igual a ela também. - Simons respondeu.

- O que está insinuando, garoto?

- Essa sua roupa, por exemplo. E bebida no café da manhã? Isso já é demais. E pode parar de me chamar de garoto.

- Por quê? Você fica revoltadinho, é?

Simons rangeu os dentes.

- Como ela está? - ele mudou de assunto.

- Não muito diferente de ontem. Mas parece que ela anda tendo uns pesadelos sinistros. Talvez esteja revivendo o momento em que foi atacada.

- Se ela está tendo essas reações, então vai ficar bem mesmo, não é?

- É o que estamos esperando, porque a mente dela não parece que está em um bom lugar.

- E quanto ao caso? Ela não foi para a delegacia hoje. Não vieram procurar por ela? Ou você já resolveu isso também?

- Chegou uma mensagem do delegado no celular dela. Ele foi para outra cidade, uma tal de Only Faster, e só volta amanhã. Então não precisei me preocupar com isso ainda. Amanhã eu resolvo.

- Vai usar seu feitiço de aparência?

- Talvez não seja preciso.

Simons não fez mais perguntas. Ficou apenas olhando para o corpo de Érika na cama.

- Vou voltar para a recepção. - disse por fim.

Doralice olhou para a boca dele e notou uma mancha escura em um dos cantos dos lábios.

- O que é isso na sua boca? - ela perguntou.

- Pedaços de chocolate. - ele limpou o canto da boca com a língua - Eu passei na sorveteria antes de tomar o caminho daqui.

Ela o estudou como se procurasse por alguma coisa.

- E cadê? - Doralice perguntou.

- Cadê o quê?

- O meu sorvete, ora essa. Não me diga que não trouxe um pra mim! - ela cruzou os braços abaixo do peito e esboçou uma cara emburrada.

Simons riu.

- Não tinha sabor vodka. - ele disse.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now