XIII

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Simons estava ansioso para a noite chegar depressa. Sentia o desejo de sangue ficando cada vez mais latente dentro de si. Passava constantemente a língua nos caninos, como se fosse uma coceira pertinente que ele precisava aliviar, mas que esperava pela hora certa. Ele não tinha entendido o motivo de Érika o ter ignorado ontem quando chegou no hotel, mas depois que Ícaro foi embora, ela voltou para se desculpar. Disse que estava com muita dor de cabeça e a única coisa em que pensava era em um banho. Ele aceitou a desculpa a contra gosto, afinal, não queria aborrecê-la e perder o encontro. Então simplesmente fingiu não sentir-se ofendido com a falta de bom senso apresentada por Érika. A ensinaria a ter respeito por ele.

Tiveram tempo para acertar todos os detalhes. Simons passaria para buscá-la no hotel às 21:00h e os dois seguiriam para a sorveteria na pracinha. Era estranho para Simons pensar que ele não sabia absolutamente nada sobre Érika, e nem ela sobre ele, e estavam ali marcando um encontro. Em circunstâncias normais, jamais a teria convidado para sair. Não que ela não fosse do tipo dele, porque ela era, apesar de todo o jeito ranzinza. Aquele olhar profundo dela mexia com ele, até podia dizer que sentia desejo. E ele ainda não tinha esquecido a cena dela de toalha. Mas hoje era pura necessidade, e necessidade vem acima de desejo.

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Érika não tinha certeza, mas ela sentia. E sua intuição nunca falhava. Foi graças a isso que se tornara uma grande detetive, mesmo aparentemente tão jovem. Ou você pode chamar isso de pura sorte, simplesmente. E agora ela sentia que Simons sabia sobre o desaparecimento de Clarice, possivelmente das outras garotas também. Poderia ela estar errada pela primeira vez? A possibilidade de Simons ser um assassino era até desconcertante. Será que ele seria capaz? Quantos casos ela viu em que às vezes o "monstro" é quem menos se espera? Ela tinha que pensar nessa opção, caso as coisas, de repente, saíssem do controle. Foi por isso que pediu uma arma, não que ela precisasse de uma, mas se houvesse mesmo a chance de Simons ser um assassino e tentasse algo contra ela, teria de usar algo humano para contê-lo.

Seu plano era ir ao encontro, jogar muita conversa fora e, se tudo ocorresse bem, o interrogaria de forma casual no fim do passeio. Parecia um plano simples e isento de erros. O que poderia dar errado mesmo? Ele era só um cara, e ela já havia lidado com coisas bem piores. Então seu radar estava ligado.

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Simons olhava constantemente o relógio que ainda marcava 19:00h. Ele não sabia quando tinha sido a última vez que ficara assim tão ansioso. Na verdade, ele nunca tinha ficado ansioso dessa maneira. Com certeza, havia algo de diferente naquela garota para deixá-lo assim. Ele só não sabia o quê. Deveria ter marcado o encontro para mais cedo, pensou. Mas não poderia correr o risco de que muita gente da cidade os visse juntos. Pegou o telefone e ligou para o amigo no hotel. Ícaro atendeu no terceiro toque.

— Fala aí, galã. O que você manda? — perguntou o amigo.

— Como estão as coisas por aí? — tentou parecer casual, mas seu tom de voz denunciou a apreensão.

— Se quer saber da garota do 33, ela ainda não desceu não. — disse Ícaro, gargalhando.

— Tem mais alguém no hotel?

— Só a madame rabujenta mesmo.

— Ei! — Simons não conteve um riso. — Valeu, amigo. Eu apareço logo mais. — e desligou o telefone.

Ele sabia que não iria conseguir segurar a sede até mais tarde. Se quisesse manter as aparências, teria que fazer algo agora. Conferiu o relógio novamente, viu que ainda tinha quase duas horas de tempo. Pegou as chaves do carro em cima da mesa e saiu.

Simons dirigiu para a estrada que mais tarde voltaria com Érika. Ficou à espreita, com os sentidos atentos. Ouviu o primeiro barulho na mata e avançou. O animal não teve a menor chance e foi abatido rapidamente. Isso aliviaria as coisas por enquanto.

Voltou para casa e foi para o banho, precisava tirar aquele cheiro de sangue de si. Vestiu uma calça de couro preta e uma jaqueta da mesma cor. Hoje a noite seria ótima. Saiu em direção ao hotel. O relógio marcava 20:45h.

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Érika estava no quarto, enrolada na toalha. Tinha acabado de sair do banho. Abriu as malas e descobriu que não tinha levado roupas para esse tipo de ocasião. Afinal, ela não esperava que fosse aceitar um convite de um estranho, e um possível assassino, para um encontro em um lugar para onde ela somente havia ido fazer seu trabalho. Revirou as malas e, graças à Deus, encontrou um vestido preto mais casual. Iria servir. Vestiu-se, pegou a bolsa e desceu as escadas.

Ao chegar na recepção, viu que Simons já a esperava, enquanto conversava com Ícaro. Não pôde deixar de notar em como ele estava muito bonito, vestido daquele jeito, estilo bad boy, todo de... preto? Até onde iriam as maldades dele? Simons a viu e ela percebeu que seus olhos azuis ganhavam bastante destaque em sua pele branca. Simons a acompanhou com os olhos até que ela chegasse perto deles.

— Boa noite. — ela disse.

— Boa noite. — disseram Ícaro e Simons ao mesmo tempo.

Ícaro reparou que Érika e Simons estavam usando preto e fez uma piada.

— Aonde vocês vão? Em um funeral?

— Vou mostrar a cidade para ela. — disse Simons.

— Ainda bem que ela já está de luto. — disse Ícaro.

— Podemos ir? — Érika os interrompeu e saiu pela porta do hotel em seguida.

Simons foi logo atrás.

— Desculpa pelo meu amigo. — ele disse.

— Eu deveria desculpar ele por você. — ela sorriu.

Simons reparou no quanto o sorriso dela era lindo e atraente. Os dois entraram no carro. Sentados ali dentro, ele disse:

— Você está linda.

— Você também não tá nada mal. — ela respondeu.

A EscolhidaWhere stories live. Discover now