XXXVII

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Simons se aproximou lentamente do corpo de Érika. Sua mente sabia que fazer o que estava prestes à fazer era vergonhosamente errado, mas ele não conseguia controlar seus passos, não era mais ele no comando. Aquele cheiro o envolveu de uma forma tão embriagante e avassaladora, que sua própria sanidade começou a ceder e então ele acelerou os movimentos. Pretendia fazer aquilo rápido e de maneira pretensiosa. Afinal, Doralice lhe dissera que bastava ele beber o sangue de Érika mais uma vez e poderia se tornar tão poderoso, que nem mesmo a detetive seria capaz de pará-lo. E mais ainda, ele seria livre para caminhar durante o dia; talvez até brilhasse de repente.

Ele estava muito próximo do pescoço de Érika, o aroma rubro que emanava de sua pele o estimulava cada vez mais. Simons podia ouvir os batimentos de Érika, ligeiramente fracos e vagarosos. Ele abriu a boca, roçando seus caninos na pele branca dela. Ele piscou duas vezes, os olhos voltaram ao normal e a sanidade subitamente sendo recobrada. "Espera, o que eu estou fazendo?", perguntou a si mesmo. Aquele não era ele, era seu instinto fora de controle, o que ele acabara de finalmente manter sob controle. O que teria causado essa mudança repentina? Teria sido porque sua sede ainda não estava verdadeiramente forte? Ou talvez... talvez fosse pelo que estava sentindo pela detetive? "Qual é, Simons! Você nunca foi do tipo sentimental! O que deu em você agora? Morda ela. Morda ela agora e se torne imbatível". Era como se houvesse uma outra voz na cabeça dele, uma voz que ele resolveu não ouvir. Recolheu os caninos, mas continuou ali próximo de Érika. O cheiro adocicado dos cabelos dela o hipnotizaram e ele desviou os olhos para os lábios dela; era a primeira vez que reparava detalhadamente. Prestou atenção nos contornos e curvas daquela boca, como era simetricamente bem desenhada. Sentiu-se tentado a beijá-la. Então aproximou-se dos lábios dela.

— O que pensa que está fazendo? — Simons ouviu a voz de Doralice atrás de si.

Ele virou-se para encará-la.

— Eu... — Doralice não deixou que ele concluísse a frase.

Avolare! — ela disse e Simons imediatamente foi arremessado contra a parede do quarto.

Ele se levantou.

— Não é o que está pensando! — ele tentou dizer.

Ibi manere! — Doralice suspendeu Simons no ar, sem tocá-lo, pressionando-o contra a parede — Fique aí!

Ele não conseguia se mover. Era como se um peso invisível estivesse em cima dele, o qual ele não tinha forças para mexer.

— Me deixa explicar, Doralice! — ele suplicou.

Silentium! Cala a boca! — mais um feitiço.

Doralice se aproximou do corpo de Érika para examiná-la, procurando sinais de que Simons não havia sido bem-sucedido em sua tentativa. O mataria naquele mesmo instante se descobrisse que ela não chegara a tempo de salvar a melhor amiga. Ela notou o fio de sangue no pescoço de Érika.

— Seu maldito! — Doralice estendeu a mão na frente de Simons e ele sentiu a pressão em seu corpo ainda mais forte — Você tentou mordê-la? Você é mesmo um completo imbecil! O sangue dela ainda está envenenado. Vocês dois morreriam!

Ela abaixou a mão e Simons caiu. Ele levantou rapidamente e se colocou em posição de ataque. Seus olhos ficaram negros e os longos caninos surgiram mais uma vez.

— Eu disse que não é o que você está pensando! Mas estou cansado de deixar que fiquem me dizendo o que fazer. Essa é a minha cidade e a minha casa. Você não faz as regras aqui.

— Ora, ora. O morceguinho finalmente está mostrando suas asas. Sabia que era tolice da parte da Érika confiar em você.

— Grrr! Já chega!

Simons partiu para cima de Doralice que apenas o observou sem esboçar qualquer reação. Quando ele chegou suficientemente perto, ela gritou:

Immobiles! Pro chão, seu otário!

Simons caiu paralisado na frente dela, batendo o rosto no chão. Ela se agachou do lado dele.

— Eu não sou a Érika, Simons. — ela começou dizendo — Eu não vou te deixar vivo se tentar algo contra mim. E eu nem preciso tocá-lo para acabar com você. Garanto que não vai querer brigar comigo, garoto.

Simons ainda não conseguia se mover.

— Me solta! — ele disse entredentes.

Ela estendeu a mão sobre ele.

Normalis... Agora levanta daí e vai embora. Eu não quero ver você nesse quarto de novo, está me entendendo?

Simons ergueu-se do chão em silêncio, deu uma última olhada para Érika na cama e saiu do quarto.

Doralice só desceria na recepção mais tarde naquela noite.

🦇

Simons jogou-se no sofá, enraivecido. Por que Doralice simplesmente não parou para ouvi-lo? Ele deveria voltar naquele quarto e fazê-la ouvi-lo! Claro que ele sabia que não tinha a menor chance contra ela, então descartou a ideia. Não queria descobrir como era provocar uma bruxa com raiva. Mas agora sentia um certo nojo de si mesmo. Como poderia ter cogitado morder Érika no estado em que ela se encontrava? Aquilo era tão baixo e sujo. Começou a sentir a culpa pesado sobre ele, era ainda mais forte que o feitiço que Doralice tinha usado contra ele. "Sinto muito, detetive", pensou amargamente. Talvez ele nunca pudesse controlar sua sede, afinal. E talvez Érika também não o perdoasse depois que ela acordasse e Doralice contasse tudo o que aconteceu. Sentia que estava sozinho de novo. Até mesmo Ícaro parecia indiferente ao que estava acontecendo.

Ligou a Tv para assistir a programação local, precisava se distrair com alguma coisa. Desalentado, não levantou mais do sofá até que Kalista chegasse e ele pudesse ir embora.

🦇

— Eu avisei que não dava para confiar nele. — Doralice dizia para Érika, mesmo sabendo que a amiga não a estava ouvindo — As histórias de vampiros estão aí para nos ensinar que eles não são flor que se cheire. Por que seria diferente na vida real? Simons não estava mais só com sede de sangue, aquilo era sede de poder também. Eu devia ter acabado com ele aqui mesmo, amiga. Você me perdoaria, não é?

Érika se remexeu na cama pela primeira vez.

— Ai, amiga. O que isso quer dizer? — ela deixou escapar um riso — Você precisa acordar logo, pois essa história está quase acabando.

Doralice sentou-se ao lado de Érika e começou a estudar seu pescoço, para certificar-se que Simons não a tinha mordido de fato. Então ela viu o que causara o filete de sangue. Não era uma perfuração de caninos afiados, mas parecia muito bem ser de uma agulha. Teriam injetado alguma coisa nela de novo? Era Simons esse tempo todo? Não, isso não tinha lógica. À menos que mais alguém tivesse estado ali.

Desceu depressa até a recepção para falar com Simons, mas ele já tinha ido embora...

A EscolhidaWhere stories live. Discover now