XXXV

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Já era sexta-feira e Ícaro telefonou para Simons, dizendo que já estava na cidade. Combinaram de encontrar-se à noite no hotel. Simons contaria ao amigo tudo o que vinha acontecendo, esperando que Ícaro o ajudasse. Afinal, eram melhores amigos. Claro que havia o risco disso não funcionar e Ícaro querer entregar Simons para a polícia, mas é aí que entrava Doralice; ela poderia fazer Ícaro esquecer. Ele ainda não tinha mencionado esse detalhe para a bruxa, mas tinha quase certeza de que ela não faria nenhuma objeção.

Simons finalmente havia encontrado tempo para arrumar sua casa. Colocou uma playlist para tocar no celular, Nightwish, sua banda favorita. Enquanto encarava o quadro de O Corvo na parede, reconheceu o quanto todo aquele cenário era clichê: a casa escura, o pôster de um filme sombrio, as músicas de rock... tudo simplesmente indicava sua aura vampiresca. Seria até engraçado se ele já não tivesse essa personalidade antes daquele morcego o morder. Juntou os restos da mesa e levou para a lixeira na cozinha, passando pelos destroços da parede destruída. Pegou a vassoura e varreu a poeira para um canto. Jogaria toda a sujeira fora quando o sol já tivesse ido embora. Foi para o quarto e trocou os lençóis; esperava que Érika fosse até sua casa novamente, dessa vez de uma maneira mais amigável. Quem sabe toda a palavra "tensão" perdesse a letra N e se transformasse em outra coisa agora. Caminhou para o banheiro e tomou um longo banho. Escolheu roupas pretas para ir ao trabalho e era a primeira vez que chegaria no hotel assim. Estava esperando que Doralice percebesse e ele pudesse de alguma maneira implicar com ela por isso.

Sentou em sua poltrona e ficou esperando o tempo passar. Ele nunca tinha pensado que sentiria tanta falta de andar durante o dia. Lembrou-se da primeira e única vez que tentou sair à luz do sol depois de ter tornado-se vampiro. Por sorte, só havia colocado o braço para fora de casa, que ficou em chamas imediatamente. Aquilo foi muito doloroso e, por ter assistido a muitos filmes sobre vampiros, Simons sabia que não deveria tentar aquilo de novo. Mais sorte ainda foi que logo o braço voltou ao normal.

Simons consultou o relógio e viu que estava quase na hora de ir para o hotel. Ícaro apareceria às 19:30h. Levemente apreensivo, saiu pela porta de casa e seguiu para o trabalho.

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Doralice notou que os ferimentos em Érika estavam começando a se fechar. As ervas realmente estavam dando um bom resultado. Os cortes em seu rosto tinham desaparecido quase que completamente e o ferimento em seu peito também estava se curando bem. Doralice acreditava que em dois dias a amiga já estaria totalmente curada. Só tinha um problema: Érika ainda não havia acordado. Mas ela estava respirando normalmente e Doralice desconfiava que ainda fosse efeito do que havia sido injetado nela.

Pegou o celular esperando encontrar alguma ligação perdida ou mensagem de Alan, mas não havia nada dele. Ele passara o dia inteiro sem entrar em contato, apenas a mensagem do dia anterior. Teria acontecido alguma coisa? Ou ele estava muito ocupado na delegacia? Ela não podia negar que estava interessada nele. Alan parecia ser um cara legal e, tirando o fato de que ele ainda não dera notícias, no geral foi um fofo com ela. Estava contando que ele a chamasse para sair e, se não tivesse atitude para isso, ela mesma tomaria a iniciativa a respeito. Era ótimo saber que ela não o tinha intimidado com sua maneira de vestir-se e nem o assustado por ser uma bruxa. Não era fácil começar relacionamentos em Holden City. Mas agora tinha Alan. Doralice não sabia quanto tempo mais a melhor amiga continuaria desempenhando o papel de detetive em Setville, mas sabia que não a deixaria sozinha. Então aproveitaria para curtir uma aventura com o policial bonitinho. Se Érika e Simons poderiam, por que ela não?

Pelo horário em seu relógio, sabia que Simons já estava na recepção lá embaixo. Estava terminando de arrumar-se e logo desceria as escadas para encontrar Alan no local combinado. Ainda estava receosa em deixar a amiga ali sozinha com um vampiro à solta por perto. Resolveu que trancaria a porta e levaria a chave. Não entregaria a Simons nem mesmo se ele exigisse.

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Simons ficou boquiaberto ao ver Doralice descer as escadas e caminhar em sua direção; ela parecia outra pessoa. Ainda com a usual cor preta, mas dessa vez em um vestido sensualmente colado, um palmo acima do joelho, no estilo tubinho. A maquiagem estava mais leve e o batom preto havia sido substituído por um vermelho, acentuando uns lábios maliciosamente bem desenhados. O cabelo estava volumoso e solto e ela andava à passos elegantes em um salto que a deixava quinze centímetros mais alta. Cada movimento de Doralice marcava suas curvas e Simons constatou o quanto ela estava sexy. Mas Érika preencheu seus pensamentos em seguida e ele teve certeza que era apenas uma admiração pela beleza feminina.



- Cuidado para não escorregar em tanta baba que você acumulou ao me ver chegando. - disse Doralice.

- Parece que alguém vai mais do que buscar informações. - Simons desdenhou.

- Você também deveria transar, ao invés de ficar matando garotas inocentes. - ela replicou.

Simons sentiu-se abalado, Doralice não parecia conhecer os limites do bom senso. Ele assumiu um tom mais sério.

- Então, tudo certo para ir lá com o policial Alan?

- Não tive notícias o dia todo. Mas espero encontrá-lo no horário combinado.

- Boa sorte então.

- Eu já vou indo. - e se encaminhou para a saída.

- Ei! - Simons a chamou - Você tem que deixar a chave.

Doralice virou-se para encará-lo.

- Acho que vou levá-la. - disse, balançando a chave na frente dele.

- Tudo bem. - concordou simplesmente.

Ele tinha uma reserva.

Ícaro chegou dez minutos depois que Doralice saiu do hotel. Foi até Simons e o abraçou de um jeito descontraído.

- Fala aí, maninho. Parece que faz uma eternidade que não nos vemos, cara. E a madame detetive já se mandou? - perguntou empolgado.

- Não, ela está no quarto.

- Show. Mas que doideira foi aquela no domingo? A madame chegou aqui toda rasgada, mano.

- Eu tenho que te mostrar uma coisa, meu amigo. - Simons tirou uma chave do bolso com o número do quarto 33.

- Qual foi? Alguma parada errada?

- Só vem comigo.

Simons e Ícaro seguiram pelo corredor até as escadas, em direção ao quarto de Érika. Ele abriu a porta e deixou o amigo passar na frente. Ícaro demonstrou surpresa ao vê-la.

- Cara, é a madame detetive! O que aconteceu com ela? Cara, você fez isso? - Ícaro levou as mãos à boca.

- O quê? Não! É uma longa história.

- Se é longa, então vou precisar de uma cerveja. Desce e pega uma lá pra mim, maninho.

- Tá certo. - ele respondeu, concordando.

Simons desceu as escadas para ir até o expositor, deixando Ícaro e Érika sozinhos no quarto.

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