XIX

10 2 0
                                    

Érika sentou-se no sofá da recepção e Simons perguntou se ela queria beber alguma coisa. "Um café seria ótimo", ela respondeu. Ele se dirigiu até uma pequena mesa localizada em um dos cantos na entrada do hotel. Ele serviu dois copos de 100ml pela metade e retornou até Érika. Havia uma certa tensão presente na atmosfera em que os dois se encontravam, como se fossem estranhos que nunca haviam se visto até aquele momento. Simons sentia-se inquieto, totalmente curioso quanto a decisão que Érika tomara. Mas não iria falar nada sem ouvi-la primeiro.

Entregou-lhe o café e sentou-se ao lado dela no sofá. Os dois com os olhos fixos na televisão desligada.

— Há quanto tempo você é vampiro, Simons? — Érika quebrou o silêncio.

— Já tem dois anos...

— Como aconteceu? — a pergunta saiu mais como um sussurro.

— Eu estava acampando na floresta. — ele fez uma pausa, engoliu em seco e continuou — A mesma em que levei você. Já estava bem tarde, mas eu não conseguia dormir por falta de sono, então fiquei sentado fora da barraca, me aquecendo na fogueira. Foi quando eu senti uma mordida no pescoço. Eu agarrei o que havia me atacado, e era um morcego. Mas não era um simples morcego, ele era diferente, muito estranho. Acabei desmaiando e acordei assim.

— E o morcego? — Érika perguntou.

— Acabou morrendo esmagado por minhas mãos enquanto eu sofria o processo de transformação.

— Hum, e como se alimentava antes da primeira garota desaparecer?

Simons percebeu que aquela conversa mais parecia um interrogatório do que uma conversa natural entre duas pessoas normais. Talvez isso fosse normal para uma detetive, mas ele não estava devidamente acostumado com perguntas tão diretas. De repente, poderia ser outro truque e ela poderia ter outro gravador. Novamente ficou se perguntando o que ela ganharia com isso. Decidiu continuar dizendo a verdade.

— Bem... — ele começou — eu me alimentava de animais na floresta. E aquilo era o suficiente para mim.

— Então por que você atacou um ser humano, Vulkan Simons? — a voz de Érika saiu irritada — Na verdade, três humanas, quase quatro, não é? — ela o encarou.

Ele tomou um longo gole do café, ganhando mais tempo para responder.

— Foi um acidente. Quero dizer, da primeira vez. A Clarice se machucou enquanto a gente estava, é, você sabe, e aquele cheiro do sangue dela foi novo para mim. Eu não consegui controlar, não fui capaz. — seu tom de voz expressava culpa.
Érika sentiu uma pontada de dor no peito. Ela conhecia bem a sensação de não ter controle. Há dez anos atrás, quando se transformou pela primeira vez, ela era simplesmente um animal irracional e sedento. E os seus pais acabaram pagando por isso.

— Eu entendo você. — ela sussurrou de volta.

— Entende mesmo? — havia surpresa na voz dele.

Claro que ele tinha ouvido ela dizer isso antes, mas a imagem dela nua em sua frente mudou todo o foco. Agora ele sentia que podia perguntar e finalmente saciar sua curiosidade tão gritante quanto sua sede de sangue.

— Mas e você, Érika? Como se tornou o que é?

— Para você, é detetive Green. Não temos essa intimidade. E isso não vem ao caso agora. — sua voz saiu firme e fria.

— Você nunca tem um dia de bom humor?

— Só quando coloco assassinos atrás das grades. — ela lhe lançou um sorriso soslaio.

— Você diz que me entende. Isso só pode significar que você fez algo de muito ruim no passado, talvez até pior do que eu. Por isso virou detetive? — Simons estava finalmente criando coragem para bater de frente com ela.

— Isso não é da sua conta. E, se você não quer que eu acabe com você agora, é melhor voltarmos ao assunto em foco aqui.

Simons recuou.

— Desculpe. — ele disse.

— Preciso que me leve onde estão os corpos.

— Tudo bem. Mas qual é o seu plano?

— É uma boa pergunta. Eu vou levar os policiais para vasculharmos a cidade novamente. É só uma desculpa para eu poder levá-los para a floresta. Sabendo onde estão os corpos, será mais fácil fingir que foram encontrados por pura sorte.

— E depois?

— Depois eu encerro o caso. Você, Simons, vai parar de assassinar as pessoas dessa cidade. — de novo aquele tom firme e frio na voz.

— Érika, quer dizer, detetive Green, você não entendeu que eu preciso de sangue? Isso acontece toda semana.

— Eu imaginei isso.

— E? — ele pareceu desconfiado.

— Você pode beber o meu sangue... — a frase ficou no ar.

— Então você vai ficar na cidade?

— Até que eu encontre um outro jeito de resolver isso. — ela o encarou.

— Por que está fazendo isso?

— Porque somos iguais. Ou quase. Está na cara que sou muito mais aprimorada do que você. — ela ironizou — Enfim, Simons, eu sei como é não ter alguém que o entenda. — os olhos deles estavam fixos um no outro.

Simons se aproximou do rosto dela e lhe beijou inesperadamente. Érika arregalou os olhos e em seguida lhe acertou um soco.

— Ai! Isso doeu!

— O que você pensa que está fazendo? — deixando claro a irritação na voz.

— Eu pensei que estava pintando um clima entre nós. — ele disse, massageando o rosto.

— Um clima de entendimento, seu idiota! — Érika levantou-se do sofá e continuou — Às 4:00h, quando você sair, nós iremos até a floresta de Setville.

Em seguida, ela saiu em direção ao quarto, deixando Simons sozinho na recepção. No rosto dele, um sorriso malicioso apareceu. Talvez ele tivesse começando a gostar dela. Talvez.

Érika entrou em seu quarto, pegou o telefone e decidiu ligar para a melhor amiga, Doralice. Iria precisar dela em Setville.

A EscolhidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora