XXIII

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Meia-noite. Uma hora. Duas horas. Simons estava impaciente. Por que Érika ainda não tinha voltado para o hotel? O que estava acontecendo na delegacia? Teriam encontrado os corpos? Pensou em telefonar para Ícaro e pedir que ele ficasse em seu lugar no hotel por uma hora, enquanto saísse em busca de Érika. Descartou a ideia ao lembrar que ainda não tinha uma desculpa pelo evento de domingo. De repente, Ícaro talvez nem se lembrasse do que aconteceu.

Toda aquela demora o deixava nervoso. Érika também nunca lhe contava nada e sempre era evasiva com ele. Ele entendia que não podia cobrar nada, mas ela também poderia ser mais flexível, não é? E que sensação era essa dentro dele toda vez que pensava nela? Claro que ele era grato pelo que estava fazendo por ele, mas não era só isso. Simons a admirava, a achava forte, inteligente e determinada. Ok, ele estava mesmo atraído por ela e, apesar dela o tratar como um animal domesticado, ele sabia que ela também estava afim. Nem mesmo a detetive Érika Green poderia resistir ao seu charme rebelde.

Simons continuava inflando seu próprio ego, quando um carro estacionou em frente ao hotel. Ele observou sair do carro uma garota. Por um instante, pensou que poderia ser Érika. Mas a garota era mais baixa, usava um vestido preto que lhe cobria todo o corpo, deixando apenas as mãos e o rosto amostra. Ela tinha cabelos longos e ondulados. Simons a observou ir em direção ao porta-malas e retirar uma bagagem, indo em direção à entrada do hotel em seguida. Era a primeira hóspede no hotel Setvill desde que Érika chegara na quarta-feira.

Ela entrou na recepção e Simons reparou no quanto ela era bonita. Sentiu seus caninos coçarem e passou a língua neles. Estava tudo bem, ele só sentiria fome de novo no próximo domingo. Ele também não precisava mais se importar em planejar e escolher garotas; tinha Érika agora. E o gosto do sangue dela era tão bom. E existia, é claro, a sua promessa de não mais matar ninguém para saciar sua sede. Ele não era desse tipo, como se tudo fosse uma caça esportiva. Era apenas necessidade, mesmo a sede o tornando sádico na hora de se alimentar.

- Boa noite. - disse a garota, trazendo-o de volta à tona.

- Oi! Olá! Em que posso ajudar?

A expressão dela era de incredulidade, mas fingiu não se importar em seguida.

- Meu nome é Doralice Collins. Estou aqui para encontrar a detetive Érika Green.

"Ah, então ela tem uma parceira", ele pensou.

- Na verdade, ela ainda não chegou. Mas pode aguardar aqui na recepção enquanto isso.

- Ou você pode me dar a chave do quarto e eu espero lá.

- Não tenho autorização para fazer isso. - ele disse, surpreso com a sugestão.

Doralice se aproximou de Simons, ficando cara a cara com ele. Simons não reagiu e a fitou de cima abaixo. Ela estava mesmo muito perto, como se fossem íntimos. Calculou uns dez dedos de distância entre os dois.

Ela o encarou e então lhe entregou um sorriso soslaio.

- Não seja teimoso, vampirinho. Eu sou a melhor amiga dela.

- O que disse? - um espanto saiu junto com sua voz.

- Que sou a melhor amiga dela. - Doralice franziu o cenho.

- Antes disso.

Ela revirou os olhos.

- Ah, qual é! Senti o seu cheiro assim que entrei nessa espelunca.

Simons ficou sem reação. Doralice se afastou e estendeu a mão na direção dele, em forma de pedido.

- E aí, vai me dar a chave ou não?

🦇

Érika acordou dentro da viatura. Sua cabeça doía muito e seu peito estava ardendo. Ela passou a mão no peito e sentiu o sangue escorrendo por sua pele. Flashes dos últimos acontecimentos passaram obscuros em sua mente, sem conseguir assimilar o que aconteceu. Tinha algo de errado com ela. Por que não estava se curando? Primeiro não tinha conseguido se transformar, e agora seu corpo não se curava. O que estava acontecendo?


A injeção! O que quer que aquele desgraçado tenha aplicado nela, inibiu todos os seus poderes. E, para piorar, ela estava morrendo. Precisava sair dali urgentemente.

Com muito esforço, conseguiu ligar o carro, fazer a volta na estrada e tomar o caminho de volta para a cidade. Sabia muito bem que não poderia ir a um hospital. O que humanos poderia fazer para ajudá-la? Nem mesmo ela sabia, pois nunca havia sido machucada dessa maneira. Cada respiração era uma batalha monstruosa contra a dor e ela sentia a vida esvaindo-se. O carro serpenteava na pista a cada momento em que parecia que ela iria apagar novamente. Resistiu a toda a dor lhe aflingindo e procurou um foco. Simons. Ela gostando ou não, ele era o único naquela cidade que poderia ajudá-la agora. Pisou fundo no acelerador, dirigindo em direção ao hotel.

🦇

- O que você é? - perguntou Simons a Doralice.

- Isso não vem ao caso. Mas, só para você saber, eu também sou mais forte do que você, caso queira tentar alguma gracinha.

Simons sentia-se como uma criança descobrindo o mundo. Até o último domingo, acreditava ser o único ser sobrenatural do planeta, como se tivesse saído de um livro de lendas. Mas aí descobriu que Érika era como ele, e agora a melhor amiga dela também não era humana? Pelo visto, alguém tinha o poder de transformar a fantasia em realidade.

Doralice percebeu o rapaz perdido entre pensamentos.

- Você é novo nesse lance de sobrenatural, não é? - ela perguntou.

Simons abriu a boca para responder, mas parou em seguida. Uma viatura parava em frente ao hotel; ele observou atentamente. Era ela. Doralice também se virou para olhar. Então Érika começou a sair do carro, rastejando-se para fora. Daquela distância, Simons enxergou as manchas de sangue pelo seu corpo e o rosto machucado. Automaticamente, ele correu em direção a ela. Simons a tomou no colo. Érika abriu vagamente os olhos, reconhecendo o vampiro. Ela estendeu a mão e acariciou o rosto dele. "Simons", sussurrou.

- Não, não, não! Não, detetive. Não faz isso comigo. Por favor, acorda. O que aconteceu?


Érika continuava imóvel em seus braços, a respiração fraca. Simons sentiu que as lágrimas estavam querendo sair.

- Meu Deus, acorda... Me diz do que você precisa para não morrer...

- Ela precisa de mim. - Doralice disse por trás dele.

A EscolhidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora