A Escolhida

XXVII

Érika estava correndo na floresta. No começo, ela pensou estar em Setville, mas aos poucos foi percebendo que se tratava de uma outra floresta, uma muito mais antiga e que ela também já estivera antes. Ela ouviu gritos vindo de todos os lados entre as árvores, e algo a estava perseguindo. Ela continuou correndo, com a dor arqueando seu abdômen, quase sem fôlego. Ela não ia conseguir, aquilo estava chegando cada vez mais perto, muito mais perto. Ela fechou os olhos.

Então ela sentiu uma mão acariciando seus cabelos e uma voz familiar veio em seguida. "Filha, acorda". Ela abriu os olhos, analisando o lugar. Era familiar, sua antiga casa nas montanhas de Holden City. Ela sentiu o lençol e o colchão de molas. Ao redor, havia uma penteadeira de madeira em frente a cama, com um grande espelho, envolto de uma decoração arcaica. O velho espelho onde sua mãe a sentava em frente, enquanto fazia tranças em seu cabelo. Ela olhou para sua mãe, que usava um vestido amarelo estampado com flores, as quais ela nunca identificou que espécies eram. A pele de sua mãe estava ligeiramente bronzeada. Lembrou-se que ela adorava o clima tropical.

Sua mãe se aproximou da janela e afastou as cortinas, deixando os raios de sol adentrarem no quarto. Érika levou as mãos aos olhos, cobrindo-os.

- Mãe! - ela exclamou.

- Hora de levantar, querida. O café está te esperando.

Érika se espreguiçou em cima da cama, deixando escapar um longo bocejo. Ela levantou, arrumou os lençóis e caminhou em direção ao banheiro para lavar o rosto. Minutos depois ela estava na mesa com seus pais. Seu pai folheava o jornal do dia, que era deixado todos os dias em sua porta por um garoto que ganhava uns trocados à mais por dirigir da cidade até ali. Sua mãe passava manteiga em torradas, concentrada em sua tarefa. Érika serviu-se de um pouco de café, saboreando aquele velho aroma conhecido. Ela estava em casa, no seu lar.

De repente, ela estava na floresta de novo. Ela olhou para as mãos e elas estavam manchadas de sangue, seu corpo inteiro estava coberto por aquele líquidoescarlate. Ela se assustou. O que havia acontecido? Não era capaz de se lembrar. Estava muito escuro, o céu nublado e as nuvens cobrindo a lua. Érika sentia-se confusa e desorientada. Estava com sua família agora pouco, estavam juntos na mesa. Ela estava tomando... meu Deus, o sangue. "Pai! Mãe!", não conseguiu pronunciar as palavras. Um grito foi escutado ao longe e alguém pedia desesperadamente por socorro. Érika correu em direção ao som, que ficava cada vez mais martirizado ao passo que ela se aproximava. Ela reconheceu a voz, era sua mãe. "Mãe!", ela conseguiu gritar.

Então Érika abriu os olhos e se encontrou em seu quarto novamente. Já era noite, mas sua janela continuava aberta, permitindo a luz da lua cheia preencher o ambiente. Ela olhou de novo para as mãos e... O que era aquilo? Érika se deparou com sua pele coberta de pelos brancos manchados de sangue, e suas mãos haviam se tornado garras grotescas. "É um pesadelo", pensou. Fechou os olhos, os esfregando com as mãos e os tornou a abrir em seguida. Ela continuava ali, nada havia mudado. Ela se ergueu sobre a cama e pulou em direção ao espelho. Ela pisou em alguma coisa. Era um... braço decepado? Érika estudou o membro com os olhos e encontrou a aliança; era de seu pai. Seu desespero aumentou ainda mais e ela procurou ao redor. Em um dos cantos do quarto havia um corpo destroçado. Ela foi até ele e o virou em direção a si. Seu pai estava morto.

"Não!"

Érika encarou o espelho e o que viu não era ela. Não podia ser. Havia tornado-se um monstro horrendo e assustador.

Ouviu a voz de sua mãe vindo da cozinha. Ela saiu disparada e a encontrou no chão, arfando com cortes profundos em seu peito. A cozinha estava completamente destruída. Ela tentou pegá-la em seu colo, mas suas garras perfuraram o corpo de sua mãe, então a soltou. Érika sentiu as lágrimas brotando em seus olhos. "Não, não, não! Mãe, não! Por favor, não!".

- Érika, você fez isso. - ela ouviu a mãe dizer.