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Simons sabia que, se ela tivesse que ir embora, só poderia ser na próxima quarta-feira, que era o único dia em que haviam ônibus fazendo rotas para outras cidades além de Setville. Isso significava que ele ainda tinha bastante tempo para jogar seu charme e amolecer aquele coração bruto. Ele ainda não tinha conhecido alguém assim tão delicada quanto ferreiro moldando metal. Seria ainda melhor fazê-la pagar por todas as patadas que ela deu nele desde o momento em que chegara, sentia-se nauseado de tanto que aquela garota o deixara abismado. Havia também outro motivo para as investidas. Daqui à três dias, sua sede de sangue estaria irremediavelmente fora de controle, e aquela garota seria ideal para saciar suas vontades. Alguém de fora não causaria tanta comoção na cidade, provavelmente ninguém notaria a desconhecida desaparecida ou se importaria. E agora ele precisava ser mais cuidadoso. Qualquer garota da cidade estava temerosa em ficar sozinha com algum homem, mesmo as que tinham namorados; a história do serial killer realmente ganhara vida, tornando tudo mais complicado para Simons. Mas ter alguém que não era dali, que poderia estar apenas de passagem e que não sabia o que andava acontecendo lhe possibilitava a chance perfeita. Simons seduziria Érika para a floresta e ela seria só mais uma presa fácil.

No entanto, ele agora não conseguia tirar da cabeça a imagem que acabara de ver. Érika enrolada na toalha na porta do quarto, estranhamente sexy, os cabelos longos e molhados caídos sobre o delicado pescoço. Ela tinha olhos castanhos profundos, de uma intensidade um tanto quanto psicótica, que o faria sentir medo se ele não fosse quem fosse. Sua pele era quase tão branca quanto a dele que, se ele não soubesse que era o único vampiro vivo, desconfiaria que ela também poderia ser uma. Ele a viu daquele jeito, quase íntimo que, se seu desejo de sangue não estivesse sob controle, a teria agarrado ali mesmo e acabaria com toda aquela marra, mostraria quem ele era com gosto. Ela nem se importou em ele vê-la daquele jeito, e ele poderia jurar que ela estava rindo por dentro da cara de idiota que ele fez. Pensou de onde ela teria vindo e o que estaria fazendo em Setville.

Voltou para o sofá com Ícaro para continuar assistindo ao jogo. Sentou-se em silêncio e manteve os olhos fixos na Tv, já sabendo que Ícaro perguntaria de qualquer jeito. O amigo o encarou e perguntou logo em seguida:

— E aí, ela estava mais mansa? — em seu tom havia sarcasmo.

— Cara, ela só pegou as malas e fechou a porta. Detesto esses hóspedes mesquinhos. — ele guardou esse pequeno rancor, orgulhoso em acreditar que em breve descontaria.

— Nenhuma gorjeta? Típico! Vai ver é TPM.

— Duvido muito.

— Mas ela é gata. Vai botar pra cima? — Ícaro parecia interessado nos pensamentos do amigo.

Simons não queria deixar uma ponta solta sobre um possível contato com Érika Green. Decidiu ocultar o que tinha em mente, pegou outra lata de cerveja, a abriu e deu um longo gole, tudo para ganhar tempo. Depois simplesmente disse:

— Tô fora de forasteiras.

— HaHaHa! Isso é o que eu quero ver! — desafiou-o Ícaro.

Noventa minutos depois e o jogo chegara ao fim. Simons desligou a Tv e levantou para buscar mais cervejas. Infelizmente, para a decepção de Ícaro e Simons, o time deles perdeu de goleada, o que não acontecia sempre. Após findarem uma caixa de cerveja e jogarem mais conversa fora, Ícaro foi embora para casa, desalentado. Ficou olhando da calçada o amigo sumir na escuridão da noite ao dobrar na esquina do hotel.

Não houveram novos hóspedes naquela noite e Simons sentiu-se várias vezes tentado a ir no quarto de Érika, um estranho desejo parecia o impelir àquela vontade. Se não fosse o fato de que ele não tinha como tirar o corpo dela de lá, ninguém nunca ficaria sabendo. Ele poderia simplesmente apagar o registro de hóspedes e, caso Ícaro fizesse alguma pergunta relativa à garota, inventaria uma desculpa qualquer, afinal ele era muito bom nisso. Mas, no final das contas, resolveu ser paciente. Afinal, sem querer admitir, ele tinha ficado curioso sobre ela. Não entendia muito bem o motivo ainda, ele não era de se importar com as vítimas depois que mudou. Mas ela o intrigou assim que seus olhares se cruzaram, havia alguma coisa naquela estranha que o fez sentir uma espécie de... frio na barriga? Qual é, isso seria loucura. Isso com certeza era ego ferido pela arrogância daquela garota estúpida.

Às 4:00h, a gerente do dia chegou para substituí-lo no próximo turno, como de costume. Ele passou todas as informações para ela e mencionou a hóspede no quarto 33. Saiu do hotel, ligou o carro e dirigiu em direção da sua casa, sem tirar a estranha da cabeça.

A EscolhidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora