Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}

Fevereiro I

Meus pais são um pé no saco. Tudo que acontece ou pode acontecer de ruim na vida, eles acham que estará no meu futuro próximo. Se eu não dormir direito, vou ter enxaqueca. Se não tomar café da manhã reforçado, vou desenvolver uma úlcera. Se não estudar e passar no vestibular pra uma profissão que eles consideram digna, serei um morador de rua...

Nem sei porque são tão paranoicos. Não é como se tivéssemos exemplos na família pra nada do que dizem! Minha mãe é dona de casa, então ela meio que fica o dia todo (eu acho) vendo TV, aqueles programas sensacionalistas que enchem a cabeça dela de minhoca.

Antigamente não tinha dessas coisas, então meu irmão mais velho, o Rogério, cresceu sem nenhum empecilho, digamos. Não que tenhamos muitos anos de diferença um do outro, mas os seis que existem já demonstram claramente a discrepância: ela nunca pegou no pé dele como pega no meu!! Ele não faz nada da vida, estuda de manhã, vai pro estágio a tarde e sai quase todo dia pra alguma boate. Eles reclamam? Claro que não. Quando fez dezoito e tirou a carteira, meu pai até deu um carro pra ele se sentir mais livre – como se fosse possível.

Duvido até que eu terei alguma mísera festa de aniversário quando completar dezoito!

O primeiro dia de aula é sempre o pior. Minha mãe se desacostumou a ter que me obrigar a levantar cedo e fazer todas as coisas que, de acordo com ela, eu tenho que fazer, então ela se esforça o dobro – o triplo! – pra que nada saia errado. Tipo eu acordar uma hora e meia antes de ir pra escola, sendo que moro a duas quadras da mesma e posso levantar 10 minutos antes...

É de matar qualquer um de raiva!

Eu sempre vou andando mesmo, apesar de meu pai passar em frente ao colégio quando sai pra trabalhar. Prefiro minimizar a convivência, se é que me entende, pra minha orelha não doer muito. De vez em quando encontro alguém no meio do caminho, tipo a Isadora ou o Caíque, que moram razoavelmente perto também.

Não encontrei ninguém na segunda-feira, porém, principalmente porque era, tipo, seis e meia da manhã quando saí de casa, sendo que a aula começa às 7:20...

O colégio quando tá vazio é muito bizarro. Os professores deixam a sala deles aberta, a diretora fica tomando café na cantina... Quando cheguei, fui direto pra quadra descoberta, meu lugar preferido ali dentro. Eu e os caras do time sempre escondemos uma bola reserva atrás de uma das moitas ali perto, e eu sempre caio na risada quando a encontro do mesmo jeitinho que a deixamos. Alguém precisa avisar que o zelador não tá fazendo o trabalho direito, hein!

Fiquei testando embaixadinhas um tempão, pra ver se o tempo passava mais depressa. Uns vinte minutos depois, o Joel chegou.

Cara, eu nem tinha reparado direito no dia anterior, mas ele realmente tinha engordado pra caramba.

– Cê passou as férias onde, maluco? – perguntei depois que nos cumprimentamos – Nem deu sinal de vida!

– Fui pro nordeste, cara. Altas ondas, praia, gatas... e muita comida boa!

Ele riu alto e bateu a mão na barriga protuberante. Tava explicado.

– Pelo menos ninguém vai passar por você no gol!

O Joel é nosso goleiro desde sempre. Ele já tentou jogar em outras posições, mas é o menos flexível de todos. Eu sou atacante, mas consigo me adaptar bem em outros pontos do campo. Ele é uma negação em qualquer um que não seja no meio das traves!

O Carlos é nosso capitão desde que o time do colégio foi formado, por assim dizer. Nós insistimos tanto pra diretora na época, uns quatro anos antes, que ela cedeu, e foi ele quem escolheu os membros. Claro que deu prioridade pra gente, que já era amigo há um tempão e tal. Mas, como somos em oito, precisávamos de mais três pra completar o time, além dos reservas. De novo, o Carlos acatou a sugestão de dois chegados nossos, os gêmeos Rafael e Gabriel, e eles entraram para a formação original, mesmo não sendo da nossa sala. O outro membro era um cara do terceiro que se formou ano passado e nem deu mais notícia depois disso... Então estávamos oficialmente sem um titular no time.