Julho III

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As coisas na minha casa não ficaram melhores, não. Foi extremamente desconfortável chegar sem falar com ninguém, me trancar no quarto pra afastar minha mãe e meu irmão. Mas eu não queria que nenhum dos dois me deixasse mais nervoso. Ou mais confuso, o que, acho, dava na mesma.

Meu pai era outros quinhentos, porém, como diz minha vó. Ele não ligava para as poucas palavras ou para as caretas que eu fazia. Era ele quem mandava no recinto, e fazia questão de me lembrar disso toda vez que escancarava a porta e me ordenava deixá-la destrancada. Ou que me pedia para ir ajudar a pôr a mesa, ou levar a roupa suja para a área externa, onde coincidentemente minha mãe estava.

O nome dele, aliás, é Nelson. Ele é diretor executivo numa empresa que fabrica e vende automóveis. É um dos chefões por lá, trabalha há mais de vinte anos no mesmo lugar e setor, é amigo pessoal do dono, essas coisas... Ou seja: Nelson não está acostumado a ouvir "não". Principalmente dos filhos. As rédeas lá de casa eram comandadas com mãos de ferro desde sempre, não seria o caçula rebelde que mudaria as coisas da noite pro dia, né?

Então o que eu podia fazer, eu fiz pra evitar a fadiga. Fiquei na minha, mais fechado, tentando me manter longe de qualquer confusão.

No colégio, a semana seguinte foi de preparação para a Festa Junina, o que me ocupou a cabeça um pouquinho. Tivemos nossa educação física cancelada por conta disso, então, na terça e na quinta à tarde, pudemos ficar transitando no corredor entre as salas para organizar as coisas, como acontecera no ano anterior também.

"Organizar" entre aspas mesmo, porque eu pelo menos fiz nada disso. As meninas do meu grupo já tinham todas as coisas esquematizadas, só faltava colocar (literalmente) a mão na massa. Então aproveitei o tempo pra dar umas voltas à toa com o Dani. Ele tinha ficado com um grupo que seria responsável pela venda das fichas das barraquinhas de comida, então também não tinha com o que se preocupar. O trabalho deles era só contar o dinheiro na hora; até as fichinhas usadas seriam as mesmas dos anos anteriores.

Nós dois fomos até a sala do segundo A para ver como o pessoal tava, porque era onde o time se concentrava, né. A maioria do pessoal da turma C não era muito próxima da gente, de qualquer forma. O Felipe e o Gustavo, da C, também estavam na bagunça da sala A, então o time inteiro se juntou na porta da sala.

No interior, eu reparei que o pessoal tava bem concentrado na festa e tal. Abstraí a voz do Carlos e do João, que falavam alto pra caramba, e dei uma espiada dentro do cômodo. Meus olhos imediatamente se focaram no grupo do Luiz e da Maria Eduarda. A Camila estava sentada sobre a mesa do Diego e o olhar dela encontrou o meu por acaso. Ela sorriu e me deu um tchauzinho de leve. Fazia um tempão que a gente não se encontrava direito e, das meninas que andavam com a gente, vou confessar que a Camila era a mais gente boa de todas.

Então, sem mais nem menos, entrei na sala pra cumprimenta-la. Fui até o meio do grupo deles e a abracei. Ela retribuiu, parecendo genuinamente contente em me ver. Esqueci do resto do pessoal lá fora e falei um olá geral, mas estiquei a mão pra cumprimentar o Diego. Ele me olhou super desconfiado, hesitante, e deixou minha mão lá, no ar.

A Camila revirou os olhos e bufou:

- Quer parar com o charme? – ela brincou e foi a vez do Diego revirar os olhos, mas pelo menos isso o fez esticar a mão pra apertar a minha.

- Tudo bem com você, senhor Lopes? – perguntei, de boa.

Lopes era o sobrenome da Camila, aliás.

- Tudo, e com você, ó, amado atacante oficial?

A Camila revirou os olhos de novo, mas eu soltei uma risadinha de zoação. Não ia estragar as coisas, a missão ali era em paz mesmo. Tanto que, quando o William chegou, eu levei o cumprimento adiante, um por um, até pra ele, com quem eu nunca tinha trocado uma palavra sequer.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now