Abril IV

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Sabe quando você tá com algo na cabeça e começa a imaginar que todo mundo consegue ler sua mente? Ou que o mundo todo tá conspirando em relação ao tal pensamento? Tipo quando você quer muito comprar uma roupa, aí você sai e vê todo mundo usando a tal roupa. Ou quando você resolve ir pra algum lugar achando que não vai encontrar nenhum conhecido, e acaba encontrando todos os seus parentes...

Era desse jeito que eu me sentia depois da noite na boate.

Em casa não paravam de me perguntar se eu tinha conhecido "uma pessoa especial" na saída – o Rogério cismou que eu queria impressionar alguém, porque, de acordo com ele, não parava de me arrumar. E de procurar desculpa pra ir pra balada.

E eu queria sair quase todo dia, era verdade – coisa que ficava só na vontade mesmo, infelizmente.

Daí que, na semana seguinte, no colégio, tivemos uma palestra sobre educação sexual. Assim, do nada. Desde o fundamental que ninguém mais tocava "nesses assuntos", já que cogitavam a ideia de que já tínhamos aprendido tudo o que havia para se aprender sobre DSTs e aborto e etc. Só que a palestra foi sobre um tema bastante específico: diversidade.

Eu quase saí correndo do auditório do colégio quando a mulher começou a falar. Todos os meus amigos estavam do meu lado, então tentei me manter quieto, mas ela parecia dizer as coisas pra mim. Sabe? Olhando no meu olho, falando com a minha pessoa! Falando sobre a minha pessoa.

E eles levaram um povo pra palestrar sobre identidade de gênero, sobre orientação sexual, dar exemplos... Fizeram até um teatrinho ridículo! Eu acho que o pessoal do time só não reparou (muito) em mim porque, assim que o tema começou, os caras não perdoaram e condensaram o maior número de piadinhas possíveis pra depois jogá-las direto no único casal gay (visível) da escola toda: Luiz Eduardo e William.

Fiquei todo sem graça pelos dois, mas eles estavam tão confiantes que até assustei. A Maria Eduarda hora ou outra respondia as provocações do Carlos, mas ela sempre se saía por cima, então todo mundo ficava calado depois. A Maria tem uma língua afiada, viu? E ela meio que "me inspirou" a ignorá-los – o Carlos e o resto do pessoal – e a tirar da cabeça que eles iam implicar comigo. Quero dizer, eles nem sabiam do que tinha rolado, nem sonhavam em saber. Não era como se eu fosse chegar e dizer, convenhamos.

Só que essa troca de "elogios" entre a Maria e o pessoal gerou mais uma palestra sobre tolerância no fim da mesma semana, e sobre respeito na semana posterior. Ouvi dizer que a diretora até chamou o Luiz pra falar no palco, mas ele não quis se expor mais ainda. Vi a mãe dele rondando os corredores uns dias depois, acho que pra falar sobre o assunto, mas sabe-se lá o que foi resolvido. O fato é que nunca conseguimos ouvir da boca dele coisa alguma.

E não sei se mais alguém além de mim estava interessado em ouvi-lo – eu estava, de verdade. Principalmente porque eu bem que conseguia imaginar o que ele sentia ao escutar as piadinhas do Carlos – mesmo porque agora era eu quem me sentia afetado, mesmo que indiretamente. Mesmo que ninguém soubesse disso.

Ah, a parte importante dessas duas semanas: eu e o gringo?

Bem. Sander e eu não comentamos o assunto, muito menos conversamos sobre o beijo ou a nossa saída na quinta antes da Páscoa, nem o Dani disse coisa alguma. Este, aliás, não sabia que eu o tinha visto com o cara lá na boate. Não tive coragem de chegar e comentar; achei que, se ele quisesse contar, diria quando estivesse confortável. Ou sei lá, contaria nunca, mas o fato foi que ele não tinha nem ideia do que desencadeara em mim.

E não que isso tudo fosse uma coisa ruim, só era... Novo. E constrangedor em certos aspectos.

Muito. Constrangedor.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now