Dezembro VII

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Não sei que tipo de sentimento a gente tem quando percebe que seu tempo está acabando. Imagina alguém no corredor de uma sala de execução? Ou um paciente prestes a entrar numa cirurgia cuja probabilidade de sucesso seja, sei lá, 1%? Será que sua vida toda passa diante dos seus olhos mesmo, como contam nos filmes? Será que a gente repensa os erros, revive os momentos bons e se arrepende de não ter feito o que queria fazer?

É claro que ninguém estava morrendo, mas os últimos dois dias do Sander no Brasil soaram como se estivéssemos definhando, vendo a vida escorrer pelos dedos. Era um torpor esquisito, cheio de flashbacks de memórias que eu nem prestara atenção na época em que elas eram presente: a primeira vez que ouvi falar dele, no shopping. Quando fomos apresentados, quando ele ficou sabendo que eu era atacante... A empolgação nos olhos dele ao começar a jogar com a gente no campo do colégio!

O choro sincero nos vestiários quando ele decidira ceder às pressões do resto do time e simplesmente desistir.

Nossa visita ao estádio de futebol, a partida juntos, a foto postada no facebook...

Foram cerca de dez meses e meio de convivência contínua que nos despertaram para uns dos melhores momentos das nossas vidas.

– Você constrói uma vida por dezessete anos e a deixa para trás por apenas dez meses... E daí você constrói uma outra vida nesses dez meses, mas a deixa para trás pra sempre. Qual é mais difícil? – ele me perguntou naqueles dois últimos dias, no aconchego dos edredons e da chuvinha fina que caía em Dezembro.

Eu não o respondi pois não sabia a resposta.

Eu temia que jamais saberia a resposta.

***

Na fatídica terça-feira, eu sequer consegui dormir direito, com medo de perder a hora de ir ao aeroporto – não que isso fosse possível, pois o voo do Sander só sairia às quatro e meia da tarde. Pedi ao meu irmão para me levar, porque no carro dos pais brasileiros dele não haveria espaço para uma mosca, contando todas as malas que ele estava levando de volta. Rogério não questionou muito, até trocou de horário no estágio para poder ter a tarde livre e me fazer aquele favor.

Aliás, ao Daniel também, pois ele teria de ir conosco, já que um taxi seria o preço de um rim no mercado negro, provavelmente, e ele não deixaria de se despedir do amigo tão importante.

Como demorávamos cerca de uma hora para chegar ao aeroporto, saímos cedo, pouco antes das duas da tarde, mas ainda assim pegamos engarrafamento. Parece que tinha acontecido um acidente no caminho e esse fato me deixou super nervoso. Eu comecei a suar, pensando que não daria tempo de chegar e, sei lá, conversar pela última vez com o intercambista.

Era um drama desnecessário, eu sei, mesmo porque estávamos nos falando ininterruptamente pelo Whatssapp, mas eu não conseguia me controlar. O som do rádio preenchia o vazio das nossas conversas, porque o Dani também não parecia muito a fim de se comunicar nem comigo, muito menos com meu irmão.

Sander Wolliner: Acabamos de chegar. O trânsito está horrível.

(terça-feira, 02:03 pm)

Renan Souza: Eu sei, estamos preso num congestionamento aqui..

(terça-feira, 02:03 pm)

Sander Wolliner: Eu tinha que ter chegado uma hora atrás, eu acho. Voos internacionais o checkin é mais demorado, né?

(terça-feira, 02:05 pm)

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now