Maio III

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A semana seguinte se passou tão rápido que nem tive tempo de raciocinar, só agir no automático. Eu ia pro colégio, almoçava com o pessoal, e, de tardinha, me encontrava com o Sander quase todos os dias. Não dava desculpa a ninguém, só dizia que ia sair e minha mãe não resmungava muito – ou eu nem dava tempo pra ela dizer alguma coisa, na verdade. Sabia que a situação ia mudar caso alguma nota baixa chegasse em casa, mas não estava preocupado com aquilo no momento.

Eu tinha as notas verdes. E eu queria passar o máximo de tempo com ele.

Essa nossa convivência era meio esquisita no começo. A gente se pegava ponderando coisas que eu nem sabia que existiam. Nossas diferenças ainda eram muito presentes, mas a surpresa que era cada um dos encontros, e as descobertas que fazíamos sobre nós mesmos no processo, me motivavam e me impulsionavam. Eu queria viver uma aventura, algo inusitado todo dia, sair da rotina e do marasmo que era a vida da escola e de casa, sabe? E era exatamente assim com o gringo. Acho que ele nem fazia ideia de que despertava essas aventuras e tal, mas era assim que me sentia: embarcando numa jornada cheia de surpresas boas todos os dias que saía de casa.

Os pais deles não se importavam com a minha aparição; acho até que o Sander inventou que estava me dando aulas de inglês e eu, de português, pra que eles nos deixasse a sós e tal... E não era totalmente mentira essa coisa da aula. Eu aprendia cada dia mais do idioma, já que, invariavelmente, ele acabava soltando uma palavra ou outra diferente no meio das frases. Eu não reparava muito nisso antes porque a gente não costumava conversar por um longo período de tempo, pelo menos não pessoalmente. Mas era só o tempo passar que os idiomas se misturavam. Eu achava engraçado e meio bonitinho de vez em quando, não vou negar.

Além disso, o Sander estudava português todo dia mesmo, às vezes me perguntando coisa sobre expressões e gramática que eu confesso que tive de me virar pra responder. Nunca parei pra pensar o quanto nosso idioma é difícil, viu? É cada coisa complicada que não me espanta ele ainda se sentir desconfortável, mesmo já tendo se passado cinco meses da sua chegada por aqui.

É claro que o Sander também tinha o pessoal da sala dele pra "dar atenção", digamos, por isso nos encontrávamos bem de tardinha, lá pras sete da noite, na verdade. Antes disso, ele passava o tempo depois das aulas com os novos amigos, conversando, estudando e tal. Ele não podia deixar a escola de lado já que, segundo ele, precisava de notas boas pra conseguir uma bolsa de estudos numa universidade quando voltasse.

Esse assunto foi exaustivamente discutido no fim de semana subsequente, quando tivemos uma feira de profissões no colégio – aquela que fomos praticamente obrigados a pegar o convite e fazer a inscrição no comecinho do ano. A feira aconteceu num domingo e contou com uma infinidade de estandes de faculdades e instituições, que ofereciam desde cursos técnicos a bolsas de estudo internacional.

Eu nunca tinha pensado em sair do país (pra estudar) antes, mas, talvez por causa do Sander, nossa escola havia preparado um bom contingente de pessoas pra nos fazer refletir sobre aquela oportunidade latente. Houve inúmeras palestras, mas eu preferi não assistir. Não tava com saco pra escutar o povo falando o que o Sander podia me contar em particular, se eu quisesse.

Ele, entretanto, virou uma espécie de atração à parte na feira. Todo mundo meio que passou óleo de peroba na cara e veio perguntar coisas sobre estudar fora, dificuldades, papelada, e até dinheiro! O Sander ficava sem graça com algumas coisas, mas respondia tudo com educação, como sempre fez no colégio. Me lembrou das primeiras semanas em que organizaram a tal palestra com ele, uma coisa bem vergonhosa de se fazer, convenhamos!

Eu fiquei a feira toda rodando sem saber exatamente o que procurar. Não tinha pensado no que estudar ainda – nem onde e muito menos se era o que eu queria depois de me formar no segundo grau. Poxa, eu tinha só dezesseis anos! Essa pressão toda era até prejudicial pra minha saúde!

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now