Outubro VII

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O fim de semana, além de livrar meus ouvidos dos comentários desagradáveis que escutava na escola, também me trouxe uma certa sensação de alívio. Aquela fase estava prestes a passar, eu disse pra mim mesmo. Fui ao hospital com o Sander no sábado e passamos boa parte do tempo da visita conversando sobre minha família. Eu falava pouco sobre mim até então, só o suficiente ou o que me incomodava nas ocasiões, mas o gringo queria saber e estendia as conversas sem ser invasivo.

Ele também me contou sobre si, sobre os amigos e a ideia da road trip que não tivemos tempo para esmiuçar antes. Assim como o Dani, eu já tinha visto isso em filmes, mas jamais pensei conhecer alguém que realmente pegava um carro, enchia o tanque e saía por aí dirigindo e conhecendo novas cidades.

– O Estados Unidos é um país muito grande, assim como aqui. – ele dizia. – Vocês também deviam começar essa tradição.

Concordei, mas como a gente não tinha nem dezoito, muito menos carro, fazer a viagem seria complicado. Não custava sonhar, né?

– Conversei com a Suzy ontem. – ele mudou o tom, o sorriso desaparecendo um pouquinho.

– Sua irmã? Aconteceu alguma coisa?

– Sim. – e suspirou, me deixando apreensivo. – Eu disse a ela que quando voltar vou contar à mamãe sobre você...

Pisquei, confuso. Ele me olhou, balançando a cabeça e tentando se corrigir.

– Quero dizer, não sobre você, sobre mim. Sobre... não mentir mais. Sobre ser eu mesmo, entende? – ele enrugou o cenho numa expressão meio dolorida. Eu acho que entendia, e se ele não queria usar palavras específicas, por mim tudo bem. – Não gosto de mentir e não quero que eles achem que eu mudei depois do intercâmbio. Eu estou sendo eu mesmo aqui, longe, talvez no conforto da distância... Mas acho que devo voltar e ser eu mesmo no lugar que eu sempre chamei de lar. Não faz sentido me enclausurar de novo sendo que isso está sendo tão importante pra mim.

– E eu acho que também não tem mais volta, né?

– Não. – ele concordou e me fitou. – É isso, não tem mais volta. E nem quero que tenha.

Sozinhos no quarto do hospital, com o Joel sedado na cama, ficamos em silêncio deixando aquela realidade se assentar.

– Você acha que eu devo fazer isso também? – perguntei, sincero. Estávamos sentados no sofazinho que a mãe do goleiro usava como cama, e os dedos do Sander entrelaçados nos meus fizeram uma leve pressão. – Digo, meu irmão já sabe, meu tio também... aliás, ele vai lá em casa amanhã, não sei se vai dar com a língua nos dentes...

Sander apertou meus dedos um pouquinho mais e me fez sorrir sem querer. Me recostei no sofá e ele veio mais para perto, me beijando de leve e dizendo, de uma maneira bem séria e formal:

– O que é "dar com a língua nos dentes"?

Soltei uma gargalhada tão alta que tive que colocar a mão sobre a boca pra abafar, os olhos dele dobrando de tamanho e vasculhando pra ver se alguém ia nos repreender. O gringo riu comigo em seguida, quando expliquei a expressão, as covinhas dele fazendo marcas bonitinhas na bochecha e me dando vontade de mordê-lo inteirinho.

Assim que a brincadeira passou, a pergunta ainda ficou no ar. Sander respondeu do jeito que achei que responderia, porém:

– Não posso dizer o que você tem que fazer, mas te garanto que você terá apoio em qualquer decisão que tomar. – ele encolheu os ombros. – Mas se acha que isso não vai mudar muito a sua vida, ou afetar a de outras pessoas...

– Não vai. Não acho que tenho que estampar no meu cartão de visitas quem eu gosto de beijar ou não. Pra maioria das pessoas isso não faz diferença. E eu já contei pro Rogério, não mudou em nada a vida dele, tenho certeza.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now