Outubro VI

179 38 12
                                    

Daniel pediu desculpas ao Sander na semana de volta do recesso do feriado. Ele ficou sentido de ter tratado o gringo mal, mesmo tendo a justificativa da bebida e tal. Sander não se importou, foi compreensivo na medida certa, até rolou uma pequena bronca por causa da cachaça.

– Você não devia beber tanto, principalmente depois do que aconteceu... – o americano comentou.

Estávamos no intervalo do almoço e tínhamos ficado os três na cantina em vez de sair para almoçar no restaurante com o resto do pessoal. Sander se deteve antes de terminar a frase, mas nós entendemos seu significado muito bem. Engoli seco e o Dani abaixou o olhar para o prato vazio à sua frente, respirando fundo.

– Eu sei, foi estúpido. Mas eu acho que fiz mais pra testar meus limites...

– Não é a primeira vez que você bebe, não tem essa de testar limites... – eu me intrometi, querendo não ter dito em voz alta o que estava pensando.

Daniel me olhou um pouco impaciente e suspirou.

– Sim, mas, sei lá... Só pra se testar, fugir um pouco, ver até onde você consegue ir. Ninguém é perfeito... E você mesmo já fez isso antes, Renan.

Minha vez de respirar fundo. Ele tinha razão, eu deveria entende-lo melhor. O jeito como ele me encarava, em tom de desafio, me gerou um certo desconforto, não vou mentir. Parecia que o Daniel estava dentro da minha cabeça, lendo meus medos e problemas. Quando ele fazia isso, sentia minhas barreiras todas derretendo e me deixando vulnerável.

Daniel contou ao Sander sobre o aplicativo também, até mostrou pra gente o celular, as conversas dos caras, algumas fotos... Foi esquisito, mas era um momento que ele precisava compartilhar, eu percebi, então deixamos que ele falasse sem julgá-lo ou acusa-lo. Conversamos numa boa sobre um bocado de coisas estressantes, como essa situação dele com os caras mais velhos, as pressões da família e da escola - que a gente já tinha uma noção de que existia, mas o Dani nunca chegou a falar abertamente sobre isso. Na verdade, ele ainda não falava muito, mas dava a entender que as coisas na casa dele funcionavam à ferro e fogo: ele tinha que ser o filho perfeito e parecia sempre comparado ao Carlos, que, na visão da família, era "o herdeiro exemplar".

Gente, de onde eles tiraram essa ideia eu não faço a menor ideia!

E daí que a conversa foi indo até a gente falar da chegada do fim do ano... e a inevitável partida do Sander.

– Volto antes do Natal. – o intercambista anunciou, me deixando em choque. – O terceiro ano acaba as aulas antes, mas minha passagem já está comprada para o dia 23. Vou ter uns dias de folga antes de ir pra casa...

Casa.

Por causa dos vestibulares e do ENEM, o colégio sempre acabava o ano letivo do terceiro ano mais cedo mesmo. Normalmente eles sequer entravam em Dezembro, mas eu nem tinha me dado conta de que já estávamos quase em Novembro!

– Meu aniversário está chegando. – Daniel cortou meus pensamentos. – Acho que vai cair no recesso do feriado do dia 15. Podíamos fazer alguma coisa, que acham?

O Daniel faz aniversário dia 17 de Novembro, eu também tinha me esquecido disso.

– Tipo o quê? Festa? – o gringo questionou, ao que o Dani fez uma careta.

– Não, talvez... não sei, algo mais reservado... Não quero ter que convidar ninguém por obrigação, sabe como é. Não tenho grana pra muita coisa, porém. Queria poder viajar, espairecer em outro lugar, mas acho que não rola...

Eu ainda estava me recuperando da ideia de que o gringo iria embora em menos de dois meses quando a conversa murchou naquele assunto.

– Você vai viajar em Dezembro? – perguntei pro Sander, que se virou pra mim em dúvida. – Digo, viajar aqui, antes de ir... de voltar...

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now