Dezembro VI

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No sábado, acordei com a cabeça pesadíssima, talvez ressaca de docinhos ou algo assim. Daniel tinha dormido no apartamento do Sander e os dois me mandaram áudios falando que estavam indo almoçar no Bar da Copa – sim, aquele que nós havíamos visitado no começo do ano. Como acordei tarde, tive que correr para dar conta de chegar antes que eles já tivessem devorado todo o menu.

Eu não tinha passado um dia sequer em casa na última semana, e minha mãe comentou tal fato quando eu estava saindo. Mas foi só dizer que eu ia almoçar com o Sander que ela meio que diminuiu o tom, sabe?

– Ah. Então... se for sair depois, só me avise, está bem?

Fui me encontrar com a família do gringo me sentindo animado – fazer minha mãe conhece-los realmente tinha mudado alguma coisa. E eu esperava que para melhor.

***

Almoçamos feijoada, torresmo, churrasco, picanha, maionese... Tomamos açaí como sobremesa, refrigerante de guaraná, uma mistura homérica de gostos e cheiros! Torci pro meu estômago aguentar e pra balança se segurar também, porque se eu não engordasse naqueles dias, não engordaria mais!

Andamos pela região sul da cidade depois do almoço só nós três, eu, o Sander e o Daniel. Um passeio trivial que acabou de frente a uma quadra de futebol, onde estava acontecendo um jogo amistoso de uns caras mais velhos. Nos escoramos na grade que dava para a rua e ficamos assistindo. Que maneira melhor do Sander passar o último fim de semana no Brasil que não assistindo a um jogo de futebol?!

– Ei, amanhã tem jogo no estádio, não? – perguntei em voz alta, mais para o Dani que para o gringo. A gente não soube responder de imediato, fato este que provava o quanto estávamos ligados no assunto ultimamente... Fiquei um tanto quanto surpreso ao perceber isso. Em outras épocas, eu saberia de memória todos os jogos de futebol que estavam acontecendo no mundo, provavelmente.

Não que não importasse mais, muito pelo contrário. Mas a presença de outras coisas igualmente importantes na minha vida me fizeram.... bem, viver mais.

Fucei na internet pra ver que infelizmente o campeonato já tinha acabado e o próximo jogo só aconteceria na quarta-feira seguinte – o gringo não estaria mais na cidade então. Fiquei triste com isso e comentei que ele deveria ir ao estádio pelo menos mais uma vez, já que era uma das coisas que ele mais queria conhecer quando chegou.

Sander ficou ligeiramente emocionado com aquela constatação – ele não veria um jogo de futebol de verdade numa arena tão cedo, mas disse ter tido a sorte de já ter visto.

– E com a melhor companhia. – ele completou e eu revirei os olhos, meio envergonhado de saber que estava falando de mim nas entrelinhas.

– Mas ainda podemos ir em outros lugares pra você matar a saudade antecipadamente. – o Dani sugeriu. – Tipo... na boate?

Eles trocaram um olhar cúmplice. Será que o Sander tinha contado pra ele que fora na boate que a gente ficou pela primeira vez?

– Eu topo. – disse. – Posso até ver se meu irmão descola umas cortesias...

– Ok então. – o gringo encolheu os ombros e sorriu.

***

É claro que o Rogério estranhou meu pedido de cortesia, e ainda ficou enchendo o saco dizendo que não arrumava nada para "aquele tipo de lugar". Como eu tinha dinheiro guardado das vezes que minha mãe me dera para pagar táxis aleatórios, disse aos meus amigos que eu mesmo pagaria para nós três darmos uma passada na boate de qualquer forma.

– Tem certeza? Vai sair caro... – Sander ponderou, mas eu ignorei.

– Não precisamos ficar muito tempo, mas só pra, sei lá, você se despedir. Ok?

Ele assentiu e nos separamos para que pudéssemos nos arrumar, marcando de nos encontrarmos mais tarde. O Daniel foi para a casa do gringo novamente, já que suas coisas estavam lá.

Fiquei super ansioso pela balada, mas tentei agir naturalmente perto da minha mãe. Ela e a empregada estavam fazendo uma faxina completa na cozinha e nos armários em geral e mal notaram minha presença. Só quando fui comunicar que ia dar no pé de novo é que dona Fabiana me questionou:

– Para onde?

– Para uma baladinha, nada de mais.

– Vai com seu irmão? – ela me encarava, cética.

– Não. – respirei fundo. – Vou com o Daniel e o Sander.

Ela engoliu seco, arrumou as luvas de borracha que usava e aconselhou:

– Não volte muito tarde. É perigoso... E não vá beber muito também.

– Não vou beber, não se preocupe...

Eu cumpri o que disse à minha mãe, porque, já na boate, o Dani pediu uma vodca com guaraná para ele e para o Sander, mas eu neguei. Disse que ia cuidar dos dois caso passassem do limite, mas ambos me garantiram que isso não aconteceria.

Ficamos os três sempre perto do bar, contudo, e o Sander se mantinha de mãos dadas comigo o tempo todo, afastando a maioria dos olhares e investidas que possivelmente ocorreriam. Houve quem visse isso como um convite, porém, e uns dois ou três caras chegaram perguntando se não estávamos a fim de "algo mais privado, à três..."

– Ou à quatro, não me importo... – o último deles disse, olhando lascivamente para o Daniel.

– Não, valeu, estamos bem assim. – eu recusei como fiz em todas as outras situações, mas o Daniel acompanhou a saída desse último cara com um olhar interessado. Aí me senti meio que na obrigação de me desculpar: – Poxa, foi mal, Dani, mas esses tarados não valem a pena, né?

Ele me olhou de soslaio e revirou os olhos, tomando do copo já bem vazio de vodca.

Foi uma noitada tranquila, para conversamos e fazer piada sem graça, cuja única diferença foi termos usado do ambiente para nos sentirmos mais à vontade: eu podia beijar o gringo a hora que quisesse, sem impedimentos ou pudores.

Já passava da meia noite quando o Daniel disse que ia nos deixar alguns minutos sozinhos – não sei se para aproveitar, ou para deixar nós dois aproveitarmos sem ele, mas o fato foi que nos distanciamos e eu puxei o gringo para dançar comigo ao som de uma música remixada dos anos 90.

Não sei como não caí no choro naquele momento mesmo, quando nossas testas se encontraram e ele fechou o olho para aproveitar o momento. Provavelmente seria a última vez que curtiríamos algo do tipo antes dele voltar par ao lugar que chamava de casa...

Senti as mãos do Sander na minha nuca e deixei que ele me puxasse pra gente se beijar no meio da pista de dança. Deixei que os minutos entre a gente corressem soltos, sem amarras, enquanto nos aconchegávamos em nós mesmos. Percebi, não com surpresa, que provavelmente não voltaria àquele lugar tão cedo – além de me trazer memórias de uma época que tendia a não se repetir, não ficaria à vontade numa boate sabendo que o lugar fazia parte das lembranças do gringo talvez para sempre.

– Valeu a pena. – ele murmurou no meu ouvido algum tempo depois, enquanto nos afastávamos um pouco do centro da pista e íamos nos encaminhando para um cantinho reservado. Dali uma meia hora pretendíamos chamar o Daniel para ir embora e encerrar a noite.

– O quê? – murmurei de volta, beijando o pescoço dele.

Tudo. Tudo valeu a pena.

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Voltando e infelizmente tá quase acabando :(

Quem vai sentir falta desses dois?

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now