Agosto IV

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A cidade seguinte era um pouco mais distante, então passamos a noite na estrada. Depois da agonia das primeiras duas horas iniciais – em que eu fiquei me retorcendo na cadeira, procurando o que fazer pra não olhar pras poltronas ao lado –, o tempo até que passou rápido. Comi umas batatinhas que o Joel me ofereceu e cochilei em seguida...

Cochilei não, dormi mesmo, porque quando abri os olhos a janela me mostrava que já a noite chegara. Meus fones ainda estavam nos meus ouvidos, uma playlist tocando no modo aleatório. Tirei o celular do bolso e encarei o visor; a música se chamava "Little Do You Know". Era bonita de um modo melancólico...

Little do you know how I'm breaking

While you fall asleep

Little do you know

I'm still haunted by the memories

(...)

Little do you know, I'm trying to make it better

Piece by piece*


Suspirei, me virando para o corredor.

Daniel estava sentado na poltrona com o Sander, mas este era quem se encontrava mais próximo de mim – Dani estava na janela, de olhos fechados. O gringo também estava dormindo, meio caído em direção ao corredor, a bochecha imprensada no tecido do assento...

Era como se ele tivesse ficado me olhando cochilar e cedido ao próprio cansaço.

O ônibus estava silencioso como nunca. Uma rápida checagem me mostrou que o pessoal ou dormia, ou jogava no celular com fones de ouvido. Me levantei e fui até a frente do veículo, já tendo uma desculpa em mente caso alguém me questionasse. Espiei por sobre a poltrona de todo mundo e, na primeira, o Nasser pescava, a cabeça escorregando sobre o ombro...

Ele levou um susto quando apareci, quase xingando e despertando sem querer o resto do ônibus. Contive uma risada enquanto ele se recompunha e soltei, a justificativa na ponta da língua:

– A gente vai fazer alguma parada? Preciso ir ao banheiro...

Ele pigarreou e verificou o relógio de pulso.

– Vamos, daqui uma meia hora mais ou menos. Consegue segurar?

Fiz que sim com a cabeça e voltei sorrateiramente pro meu lugar, dando mais uma espiada no pessoal pelo caminho.

Quando cheguei ao final do corredor, observei o sono tranquilo do Sander e me lembrei de tê-lo acordando do meu lado – lá em casa no meu aniversário, no hotel naquela manhã... Ele não tinha culpa das minhas paranoias. Então me inclinei sobre ele e encostei meus lábios de leve na parte do seu pescoço descoberta pelo moletom que usava. O ar condicionado do ônibus estava ligado no mínimo (ou máximo?), deixando tudo gelado. Eu nem tinha percebido, já que dormira com jaqueta e capuz.

A pele cheia de pintinhas do gringo estava fria e senti todos os folículos se eriçando ao meu contato. Não me afastei enquanto ele abria os olhos, surpreso, tonto, embriagado de sono. Continuei curvado sobre ele, sobre a poltrona, me apoiando no encosto da frente. Nossos olhares se encontraram sob as luzes da rodovia, que passaram velozes pelas janelas descobertas.

Eu queria pedir desculpas, mas não consegui transformar isso em palavras. Sander leu meus pensamentos, eu acho, porque murmurou um "ok" bem baixinho e me puxou mais para baixo para me beijar. Ou isso ou a vontade falou mais alto mesmo.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now