Fevereiro II

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Nós tínhamos uma certa liberdade por causa desse status de titular do time de futebol do colégio, sabe? Todo mundo sabia quem formava o time oficial e, quando tinha qualquer tipo de campeonato, a gente era o primeiro da lista. Não tínhamos participado de quase nada no ano anterior, só de uns amistosos e tal, porque as Olimpíadas do nosso colégio meio que sugaram todo o nosso ânimo pra qualquer campeonato sério. Mas, nesse ano, a primeira coisa que o Carlos disse, na aula de educação física na terça-feira, foi que nós levaríamos o time a sério. Ele levaria, nós tínhamos que acompanhar.

O Carlos podia ser muito inconveniente às vezes....

Nossa aula de educação física era dividida entre esportes. Tínhamos vôlei, peteca e futebol, claro. Algum pessoal jogava xadrez de vez em quando também, nos dias em que o Nasser tava de bom humor. Fazíamos a aula por série. O primeiro ano tinha ficado com as segundas e quartas, nós, do segundo, com as terças e quintas (como no ano anterior), e o terceiro fazia nas sextas-feiras. Eles haviam diminuído a carga da disciplina no último ano pra injetar mais matéria de vestibular na gente, tenho certeza, e porque as aulas do terceiro também terminavam mais tarde – eles tinham robótica, física e química orgânica enquanto a gente praticava esportes.

Usamos a primeira semana pra planejar os campeonatos e pra decidir quem entraria no lugar do Guilherme, o nosso outro meio de campo que tinha se formado no ano anterior e deixado um buraco no time. O Carlos não ia com a cara de nenhum dos reservas, e não queria nem dar a chance, então o Nasser deu a ideia de chamarmos o intercambista pra jogar conosco.

– Ele comentou comigo que adora futebol – o professor disse. – Não seria uma má ideia.

– Para, 'fessor! Ele nem deve saber chutar uma bola direito! – o Carlos reclamou, emburrado. – Todo mundo sabe que americano é mais perna de pau que qualquer um! Ele vai querer agarrar a bola com as mãos e sair correndo, vai vendo!

Todo mundo gargalhou, menos eu e o Daniel – e o Joel, que tava ocupado devorando uma barrinha de cereal. Eu ri dele, não da piada do Carlos.

O Nasser cruzou os braços e se remexeu nas pernas, lançando aquela olhada que dizia que era ele quem ainda mandava ali.

– Pois eu acho que ele poderia acrescentar muito a vocês em questão de experiência. Além disso, amanhã ele já vai jogar um pouquinho durante a aula...

– Ele já jogou, por acaso? Porque uma coisa é dizer que é fã e tal, outra muito diferente é entrar no meio do campo e mandar pra quebrar! – o Carlos buscava nosso apoio o tempo todo com os olhos. – Sou fã de patinação no gelo, mas isso não me faz um medalhista olímpico!

Nova onda de risadas.

– Você só é fã por causa das mulheres, fala sério! – o Gustavo soltou e até o Nasser riu.

– Xi, vai que o gringo é fã pelo mesmo motivo também? – ouvi o Felipe cutucando o JV, que estava sentado do meu lado. – Vai saber, né, hoje em dia...

– Que isso, sai fora! – o João o empurrou e eles trocaram mais risadas, sem levantar a piada pra todo mundo dessa vez.

Eu nem comentei. Ultimamente tudo andava girando em torno daqueles comentários maldosos, eu nem gostava muito de puxar o assunto.

No fim das contas, o Nasser fez o Carlos prometer que daria uma chance pro Sander na próxima semana, depois que ele já tivesse assentado e tal, depois da primeira peladinha na educação física, na sexta. Se a gente não pudesse tê-lo como titular, nem que fosse um reserva. Ele queria que o americano se inteirasse das nossas "rotinas", coisas típicas e etc. E nada mais típico que futebol, certo?

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now