Outubro I

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Outubro é mês de comemoração, festa, feriados prolongados...

Não naquele ano. Cancelaram as Olimpíadas do colégio por dois motivos. Justificaram que, primeiro, o campeonato de futebol já tinha consumido boa parte dos recursos financeiros da direção – o que eu duvido, vamos combinar. A mensalidade da escola é altíssima e todo mundo lá tem dinheiro pra fazer uma vaquinha, sei lá, pra comprar as medalhas. Porque é basicamente com isso que a gente gasta – os uniformes já temos mesmo.

O segundo motivo era que deveríamos focar nos estudos e em ajudar ao próximo.

E lá se foram de vez os treinos de futebol, as aulas de Educação Física, os sábados à tarde na escola... Toda a diversão de ir pra lá, praticamente. Já não vínhamos tendo Educação Física por causa da Feira de Ciências!

Veja bem: desde sempre, eu só fui à escola por causa do futebol. Era isso que me motivava, era isso que eu sabia fazer. A única coisa em que eu era relativamente bom! Tirando isso de mim, o que sobrava? Um moleque – pra usar a nomenclatura do meu pai – riquinho, como todos os outros estudantes daquele lugar. Só isso. Eu era mais um Zé-ninguém.

Se antes eu tinha ficado só chateado e aguentava calado, a nova situação me tirou do sério! Primeiro veio a raiva e, junto de alguns outros caras, tipo o Felipe e o Gustavo, e até o João Vítor – com o brilhante apelo de que eram seus os últimos meses no colégio, já que ele iria para o outro lado do mundo – fizemos um abaixo assinado para manter pelo menos a competição de futebol das Olimpíadas.

Foi vetado sem direito a recurso.

Depois fomos ajoelhar pro Nasser não cancelar nossos treinos de sábado à tarde.

Vetado também, porque, né, já não fazia muito sentido treinar pra nada e sem goleiro. Não havia mais campeonato, então não tínhamos que fazer do futebol o nosso foco – além disso, o reserva do Joel ligava tanto para a posição dele que todas as nossas bolas entravam sem que ele desse um passo...

O professor ainda reiterou que devíamos nos preocupar com "outras coisas" num "momento como aquele". E que eles tinham outros planos pra nós.

O resto dos caras desistiu nessa hora, mas eu fiquei remoendo aquilo durante dias na escuridão do meu quarto. Poxa, eu realmente era um ninguém sem o futebol! Ainda por cima, nós seríamos zoados no colégio inteiro por termos perdido prestígio, por termos perdido o pódio, por tudo!

Eu não conseguia lidar com aquela perspectiva, então acho que acabei me isolando ainda mais. Todo dia, a rotina era chegar da escola e me enfurnar no quarto pra ouvir música. Só respondia umas mensagens do gringo de vez em quando, porque fora isso era inanição certa.

Nem fui no hospital naquela primeira semana. Minha mãe, por incrível que pareça, passava boa parte do tempo fora de casa, resolvendo coisas com o advogado da família, me deixando sozinho pra cavar meu próprio poço...

E então, antes do feriado, inventaram um negócio no colégio chamado "hortinha solidária", que consistia em plantarmos umas coisas lá, cultivar e doar pra instituições carentes, tipo creches e asilos pra ajudar na refeição do pessoal. Se não tivesse contado como ponto extra na maioria das matérias, não sei se teríamos tido tantos "voluntários", sabe?

No começo fiquei super arredio, principalmente porque marcavam pro gente ir na escola cuidar das plantas justo no sábado à tarde, justo o momento do nosso futebol - era para aquilo que eles estavam tirando o esporte??

Mas depois de ir aos primeiros dois encontros, percebi que acabou me servindo de tapa-buraco pro futebol sim, porém era quase que uma terapia. Eu fui em todos os encontros. Todos, até os que não eram "obrigatórios", por assim dizer. A partir do segundo sábado, saía do hospital com o gringo, deixava ele em casa e ia pra escola cuidar de planta.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Where stories live. Discover now